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Opinião|Afinidades Ideológicas

Atualização:

Com o aprofundamento da recessão econômica e o agravamento das tensões políticas, a situação na Venezuela deteriora-se rapidamente. A queda do preço do petróleo, o único produto relevante na pauta de exportação do país, a escassez de alimentos, as restrições políticas, com a prisão de opositores, e às liberdades de expressão, reconhecidas pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, fora as sanções dos EUA por essas violações e a demora do governo em marcar data para as eleições parlamentares ainda este ano, compõem o quadro de instabilidade existente. Caso essa situação se mantenha, não é difícil prever o futuro do governo de Nicolás Maduro. Final infeliz. Nesse contexto, na última semana dois acontecimentos tiveram grande repercussão no Brasil, com sério impacto negativo nas relações bilaterais, não fosse o nosso um governo complacente com regimes autoritários. A vinda ao Brasil do poderoso e controvertido Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional venezuelana, sem que o Itamaraty tivesse sido oficialmente informado, desperta muitas interrogações. O visitante foi tratado como chefe de Estado, tendo sido recebido pelo ex-presidente Lula, pela presidente Dilma Rousseff, pelos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e por alguns ministros. A alegada justificativa da visita foi pedir apoio de empresas e do governo brasileiro para o fornecimento de alimentos e medicamentos, escassos no mercado venezuelano. O real motivo da viagem, entretanto, talvez nunca se saiba. Estará ligada à eventual saída de Maduro? Não deixa de ser estranho o visitante ter sido recebido em tão alto nível no momento em que pesam sobre Cabello acusações feitas por autoridades dos EUA de que ele seria um dos líderes do tráfico internacional de drogas associados às Farc colombianas. O secretário de Estado adjunto dos EUA, William Brownfield, disse que as informações sobre os alegados laços com o narcotráfico são consistentes com a análise de Washington acerca da penetração dos cartéis na Venezuela. Se o presidente da Assembleia Nacional fosse aos EUA, possivelmente seria detido para interrogação... A ida da delegação de senadores brasileiros a Caracas não se limitava à intenção de ver presos políticos e opositores do governo Maduro, como o moderado Henrique Capriles. Não foi noticiado, mas o presidente do Senado fez solicitação formal ao embaixador brasileiro para que agendasse encontros da comitiva com autoridades do governo. Bastante incomodado com a presença da missão humanitária, o governo venezuelano frustrou a visita, organizando manobras agressivas na chegada, desproporcionais se comparadas às limitações impostas a Felipe González, ex-primeiro-ministro da Espanha, e a outras respeitáveis figuras políticas. A hostilidade com que os senadores foram recebidos faz com que seja este talvez o mais delicado dos incidentes diplomáticos na aérea externa dos últimos anos. Difícil imaginar que a Embaixada do Brasil – que prestou apoio logístico, mas abandonou os senadores à própria sorte ao retirar o diplomata que deveria acompanhá-los – não soubesse o que estava sendo preparado para a comitiva. As afinidades ideológicas com a Venezuela, proclamadas pelo então presidente Lula, foram explicitadas no apoio irrestrito às ações políticas de Hugo Chávez: “Nunca a Venezuela foi tão democrática”. E pela nossa participação nas campanhas de eleições presidenciais, na suspensão do Paraguai para permitir o ingresso da Venezuela no Mercosul, nas negociações fracassadas com a PDVSA para a construção da Refinaria Abreu e Lima (que tanto prejuízo causou à Petrobrás), no financiamento de projetos por intermédio do BNDES (a Venezuela foi o país que mais recebeu financiamento do banco). Mais recentemente, demonstrando o relacionamento estreito entre os governos do PT e o regime bolivariano de Maduro, Dilma condenou as sanções dos EUA por causa das restrições aos direitos humanos e, no comunicado final da cúpula da União Europeia com os países latino-americanos, evitou fazer referências negativas à Venezuela. Por estranho que pareça, a FAO, presidida por petista amigo de Lula, concedeu prêmio àquele país pelo sucesso (sic) na luta contra a fome. E a Unasul, com forte influência brasileira, pouco fez para mediar o confronto entre o governo e a oposição e para que fosse marcada a eleição para a Assembleia Nacional. O Congresso Nacional repudiou os atos de franca hostilidade aos senadores brasileiros. Já o governo brasileiro evitou condenar os acontecimentos. Apenas, via Itamaraty, lamentou os incidentes que afetaram a visita à Venezuela da Comissão Externa do Senado e prejudicaram o cumprimento da programação prevista nesse país, acrescentando que são inaceitáveis atos hostis de manifestantes contra parlamentares brasileiros. À luz das tradicionais relações de amizade entre os dois países, conclui a nota, o governo brasileiro solicitará ao governo venezuelano, pelos canais diplomáticos, os devidos esclarecimentos sobre o ocorrido. Em outras palavras, a presidente Dilma não vai interferir, deixando à Chancelaria o encargo de pedir burocraticamente explicações sobre o episódio. Esse fato político põe o governo brasileiro mais uma vez na defensiva e expõe as contradições entre a plataforma do PT na política externa e a real disposição do governo na defesa do interesse nacional. Normalmente, seria o caso de chamar o embaixador para consultas em Brasília, mas essa possibilidade, tudo indica, não se vai concretizar. À luz do que acontece na Venezuela, fica cada vez mais difícil para os países sul-americanos, em especial o Brasil, evitar recorrer à cláusula democrática do Mercosul e da OEA.  O governo brasileiro precisa demonstrar que está do lado da democracia e da defesa de seus representantes. *Rubens Barbosa é presidente do conselho de comércio exterior da FIESP

Opinião por Rubens Barbosa