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Opinião|Agenda que não resolve a crise

Atualização:

No final da primeira semana deste mês, a presidente Dilma Rousseff estava como que encantoada entre duas paredes de um quarto escuro. A economia mostrava novos dados de uma recessão agravada, o ajuste fiscal havia sido desidratado em 22 de julho, o dólar subira em seguida, e faltava-lhe o apoio político da tal base aliada e até mesmo de seu partido.

Esse quadro produziu uma derrota contundente no dia 5, quando a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base de proposta de emenda constitucional (PEC) que, entre outras medidas, vincula os salários das carreiras da Advocacia-Geral da União e de delegados federais a 90,25% do salário de ministros do Supremo Tribunal Federal. Essa PEC teve 445 (!) votos favoráveis, 16 contrários e 6 abstenções. Integra a “pauta-bomba” que preocupa o Executivo, pois prejudica o ajuste fiscal em andamento e cria problemas adicionais para o futuro.

Na semana seguinte a presidente foi aliviada por três movimentos que despertaram a suspeita de que está em andamento um acordão para retirar a ameaça de impedimento que enfrenta. No dia 12, com a ajuda do presidente do Senado, Renan Calheiros, o Tribunal de Contas da União deu mais 15 dias para ela se defender de acusações sobre irregularidades nas contas federais de 2014. No dia seguinte, pedido de vista do ministro Luiz Fux, no Tribunal Superior Eleitoral, suspendeu o julgamento de ação que denunciou irregularidades financeiras na campanha que levou à sua reeleição, em 2014. A votação registrava dois votos a favor e um contra a apuração dessas irregularidades. E antes disso, no dia 11, Renan Calheiros acenou-lhe com uma extensa Agenda Brasil, na qual predominam propostas legislativas que trariam algum alívio para as contas do governo. 

Interessei-me particularmente por essa agenda e dentro dela pelo que diz respeito a esse alívio. Na última contagem que vi, ela continha 43 propostas. Aliás, 42, pois a proposta de “regulamentar o Conselho de Gestão Fiscal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal”, é mencionada duas vezes, indicando redação descuidada. As propostas vieram de Renan e de senadores mais próximos dele, bem como de outros que colocaram adendos de seu interesse. 

Se listasse todas essas propostas, este artigo se tornaria mais uma reportagem, com quase todo o espaço restante tomado por essa listagem. Um quadro-resumo de todas as propostas está disponível em www12.senado.gov.br/senado/presidencia/noticia/agenda-brasil-12.08.

Na questão fiscal, surpreendeu-me o fato de não haver um compromisso firme com a aprovação do projeto que reduz a desoneração da folha de pagamentos, o de maior interesse imediato do ministro Joaquim Levy, da Fazenda. Sobre o assunto a mesma agenda diz que a ideia é “condicionar as alterações na legislação de desoneração da folha (...) a metas de geração e preservação de empregos”. Do noticiário sobre essa desoneração havia entendido que, além de voltar atrás na sua decisão de procrastinar a votação do assunto, o senador Renan Calheiros havia prometido empenhar-se em reduzir a desoneração. E que, para não procrastiná-la ainda mais, seria aprovado o texto já aprovado pela Câmara. Mas na última terça-feira (18) a votação foi de novo adiada, para ontem, e o relator do projeto no Senado, Eunício Oliveira, alertou que poderá alterar esse texto. Os jornais de hoje devem trazer mais um capítulo dessa novela. Espero que seja o final. 

Há várias propostas que fazem sentido. Entre elas, a já referida regulamentação do Conselho de Gestão Fiscal, a de “maior desvinculação da receita orçamentária, dando maior flexibilidade ao gasto público”, a de “definir idade mínima para a aposentadoria, mediante estudos atuariais e levando-se em conta a realidade das contas da previdência social”, e a de “fixar limites para as dívidas líquida e bruta da União.” Se efetivamente implementadas, contribuiriam para a boa gestão das contas públicas. 

Mas ainda assim a expressão Agenda Brasil não faz jus à sua designação como agenda, pois nada diz sobre quando as respectivas medidas legislativas seriam elaboradas – algumas já são tema de projetos de lei em andamento no Senado – nem quando seriam votadas. Um nome mais adequado seria Carta de Intenções, dado à declaração de compromissos que o governo federal assumia quando recorria a empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI). Com esse nome o documento do Senado já traria implícita uma advertência, pois várias vezes as promessas dessas cartas não foram cumpridas. 

Noutra visão, a Agenda Brasil não tira o País do impasse em que se encontra, situação que comparo à de um sistema linear de duas equações e duas incógnitas, uma daquelas coisas que a gente aprende na escola sem saber bem para que servem. Uma equação é a da política e a outra, a da economia. Na situação atual, a solução para o sistema é impossível, pois não há solução que atenda às duas equações. Graficamente, é como se no plano cartesiano essas equações representassem duas retas paralelas, ou seja, sem se encontrarem num ponto em que a solução seria única e comum a ambas. E, muito menos ainda, não são retas que se sobreponham, indicando infinitas soluções.

Acrescente-se que no Legislativo a equação política se desdobra em duas, uma atendendo às conveniências de Renan Calheiros e outra às de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, o que complica ainda mais as coisas. 

Assim, o Executivo não se pode iludir com a iniciativa do senador. O regime é presidencialista e não há como substituir o papel fundamental da Presidência. Até hoje, contudo, Dilma não reconheceu seus erros nem definiu um rumo corretivo confiável na sua formulação e na sua eficácia, inclusive quanto a arregimentar apoio político para levá-lo adiante. Nesse cenário, continuamos como a esperar por Godot, o personagem que não chega.

*Roberto Macedo economista (Ufmg, Usp e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior

Opinião por Roberto Macedo