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Ainda o suspense americano

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Por Redação
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No último instante o mundo escapou mais uma vez de um calote do maior devedor do mundo, o Tesouro americano, e o temor de um desastre foi atenuado por algum tempo - até o primeiro bimestre do próximo ano, se nenhum novo acordo for alcançado antes disso por democratas e republicanos. Uma conta de US$ 16,7 trilhões teria tido destino incerto, se a Casa Branca e a oposição tivessem sido incapazes de um entendimento até a noite da última quarta-feira. Terminaria no dia seguinte o prazo para uma nova elevação do teto da dívida. Além de entrar em moratória, o governo dos Estados Unidos, fechado parcialmente desde o começo do mês, por falta de orçamento, seria forçado a um corte de gasto desastroso para o país e para a maior parte de seus parceiros. Mas a trégua apenas abre um intervalo para uma negociação mais ambiciosa e de longo alcance. Sem orçamento definitivo, a administração poderá gastar normalmente até 15 de janeiro. Em 7 de fevereiro será preciso rever o limite da dívida.Mantida a incerteza, um dos principais estimulantes da economia americana, a injeção mensal de enormes volumes de dinheiro nos mercados, poderá perder eficácia, advertiu Richard Fisher, presidente do Federal Reserve (Fed) de Dallas, um dos braços do banco central.O Fed pode fornecer o combustível, disse ele, mas é incapaz de "mexer nos motores do emprego", se faltar uma clara definição da política fiscal e os empresários ficarem no escuro. Desta vez, pelo menos alguns líderes republicanos parecem dispostos a algum esforço para evitar uma nova queda de braço à beira do abismo. O prestígio do partido e de vários de seus líderes foi danificado seriamente pelo impasse das últimas semanas, segundo mostraram pesquisas divulgadas diariamente. As perdas para o presidente Barack Obama e seu partido foram bem menores. Além disso, dois negociadores, a senadora democrata Patty Murray e o deputado republicano Paul Ryan, começaram a trabalhar para produzir um acordo sobre o orçamento até o meio de dezembro. Nada garante seu sucesso, exceto, talvez, o temor de um desastre político muito custoso. O impasse de outubro custou US$ 24 bilhões à economia americana, segundo estimativa da Standard & Poor's. É um valor considerável, mas os dados potenciais de um desacordo mais prolongado seriam imensamente maiores para os Estados Unidos e para o mundo. A economia dos Estados Unidos vinha crescendo com firmeza, apesar da velocidade ainda moderada, e mais empregos vinham-se acumulando a cada mês. Esse dinamismo foi uma das melhores novidades para os mercados globais em 2013. Embora a zona do euro tenha começado a vencer a recessão, a recuperação dos países da área ainda será muito lenta pelo menos por mais um ou dois anos. Enquanto isso, a maior economia do mundo continuaria retomando seu papel de grande motor da atividade global - novidade especialmente importante diante da esperada perda de impulso da China e de outros emergentes.A economia chinesa continua no pelotão da frente e exibiu crescimento anual de 7,8% no terceiro trimestre, mas a tendência, segundo analistas, é de acomodação no fim deste ano e ao longo do próximo. Se tudo correr bem nas novas negociações de Washington, o mundo ainda será forçado a acompanhar com muita atenção os desdobramentos da política econômica nos Estados Unidos. Com a consolidação do crescimento, o Federal Reserve poderá finalmente abandonar, de forma gradual, a injeção mensal de até US$ 85 bilhões nos mercados para estimular o crédito, os negócios e a criação de empregos. Nesse caso, todos serão forçados a se adaptar às condições de um mercado financeiro global mais apertado, com juros mais altos e critérios mais duros de aplicação de recursos. Essa mudança deveria ser mais um estímulo para o governo brasileiro se preocupar com a saúde das finanças públicas e com o poder de competição dos produtores nacionais - item essencial para a restauração das enfraquecidas contas externas. Talvez se cuide disso em Brasília, se as eleições permitirem.