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Aliando-se ao ''inimigo'' chinês

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Por Redação
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Com a sobrevivência de suas empresas cada vez mais ameaçada pela concorrência desleal, e não raro predatória, dos similares vindos da China, empresários brasileiros estão buscando alianças com o "inimigo" chinês. Cresce o número de dirigentes de empresas nacionais que, para reduzir custos e ganhar condições de enfrentar a competição com os importados da Ásia, estão se abastecendo de máquinas e insumos chineses, mais baratos do que os similares produzidos aqui. E fazem isso com o apoio, e até o estímulo, de entidades empresariais como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que têm criticado duramente as práticas comerciais desleais da China e a ineficácia das medidas eventualmente tomadas pelo governo brasileiro para proteger a produção doméstica.Em entrevista ao jornal Valor, o presidente da CNI, Robson Andrade, afirmou que o Brasil precisa apressar as medidas para fortalecer a produção industrial, como o aumento da severidade das punições ao dumping e a importações irregulares, sobretudo da China. Mas a CNI está entre as principais entidades empresariais que vêm organizando caravanas de dirigentes de empresas brasileiras de diversos portes para fazer compras na China, como mostrou o Estado (31/7), em reportagem de Raquel Landim.Não há contradição entre o que o presidente da CNI diz e o que a entidade faz. Nos dois casos, o que se pretende é assegurar à indústria brasileira condições de enfrentar a concorrência externa cada vez mais acirrada e, no momento, agravada pela desvalorização do dólar, que reduz o preço em reais dos produtos importados. Também nos dois casos está implícita uma séria advertência ao governo: nas condições atuais, para muitas indústrias é melhor importar do que produzir internamente.Alguns números mostram o ritmo em que cresce o interesse dos brasileiros por insumos, componentes e máquinas chinesas para baratear os custos operacionais. De 2009 a 2010, o número de vistos a brasileiros que vão à China para fazer negócios passou de 7.467 para 11.724, um aumento de 57% (os dados referem-se ao período janeiro-outubro de cada ano). Muitos empresários brasileiros, no entanto, viajam à China para negócios, mas com vistos de turista.Outro dado que sugere o aumento das compras diretas feitas por empresários brasileiros de fornecedores chineses é o número de empresas que pedem registro como importadoras. Neste ano, o País deve ganhar 5 mil novos importadores, um aumento recorde. Além de empresas comerciais, também as industriais passam a importar para substituir máquinas ou insumos nacionais e compram até mesmo produtos finais, para revender no País, como forma de reduzir custos e aumentar sua margem de lucro, observou o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro.Em alguns segmentos da indústria, os números são preocupantes. Dos 72 fabricantes de válvulas industriais filiados à Associação Brasileira da Indústria de Máquinas, 80% declararam que 100% do que vendem são produtos importados. Há seis anos, o índice era de 40%. Não há como produzir internamente em condições de competir com o importado.O aumento das importações pelas empresas industriais certamente resulta em corte de empregos no Brasil. Os efeitos perniciosos dessas importações sobre o mercado de trabalho da indústria, no entanto, ainda não são nítidos. O crescimento da produção industrial, ainda que em ritmo menos acelerado do que ano passado, continua a abrir postos de trabalho, o que ajuda a disfarçar o problema.Mas o crescente interesse dos industriais brasileiros por produtos chineses deixa claro que, se o País não enfrentar a questão da perda de competitividade da economia, os prejuízos econômicos e sociais serão muito maiores e mais duradouros. O câmbio é um dos responsáveis por essa perda, mas é um problema conjuntural. Há outros, estruturais, que precisam ser encarados com seriedade pelo governo e pela sociedade, como o alto custo dos tributos, da mão de obra e dos financiamentos para os investimentos.