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Alienação e insensatez

Concedido a quem tem até 3 filhos com idade entre 8 e 24 anos, o auxílio-educação será pago a 225 magistrados e 3,1 mil serventuários judiciais, que – ao contrário da maioria do funcionalismo fluminense – têm recebido o pagamento integral de seus vencimentos em dia

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Por Redação
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Em mais uma demonstração de insensibilidade e alheamento da adversa realidade financeira do Estado do Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça (TJ) fluminense autorizou gastos de R$ 33 milhões com o pagamento do auxílio-educação a juízes e desembargadores e de R$ 26,5 milhões para o pagamento do auxílio-locomoção. Como a Corte classificou esses benefícios como “verbas indenizatórias”, os valores dos dois auxílios não são considerados como vencimentos para efeito de cálculo do teto salarial do funcionalismo público, que hoje é de R$ 33.763. A decisão do Tribunal de Justiça ocorreu na mesma semana em que o governo fluminense concluiu as negociações com o governo federal, comprometendo-se a cortar gastos de custeio no valor de R$ 9 bilhões, por três anos, em troca da suspensão de suas dívidas e de uma ajuda financeira para cobrir o déficit de R$ 26 bilhões nas contas estaduais previsto para 2017. O governo do Rio de Janeiro, que até agora só pagou a primeira das sete parcelas do salário de novembro de 2016 da maioria do funcionalismo público, também não vem repassando os valores relativos ao crédito consignado de servidores aposentados e pensionistas às instituições financeiras, que os incluem nas listas de inadimplentes do Serviço de Proteção ao Crédito. Além disso, as autoridades fazendárias do Estado já haviam anunciado que, sem o acordo com a União, teriam condições de pagar apenas 7 das 13 folhas de pagamento de 2017.  Concedido a quem tem até 3 filhos com idade entre 8 e 24 anos, o auxílio-educação será pago a 225 magistrados e 3,1 mil serventuários judiciais, que – ao contrário da maioria do funcionalismo fluminense – têm recebido o pagamento integral de seus vencimentos em dia. Ao justificar seu pagamento, a direção do TJRJ lembrou que esse benefício é previsto por uma lei estadual, conhecida como Lei dos Fatos Funcionais, em vigor desde 2009. Além de ser indecente, essa lei colide com a Constituição, cujo artigo 39, em seu parágrafo quarto, é taxativo ao estabelecer que “membros de Poder serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”.  A Procuradoria-Geral da República arguiu a inconstitucionalidade dessa lei estadual, mas o julgamento no Supremo Tribunal Federal está suspenso desde 2012, por causa de um pedido de vista do ministro Luiz Fux. Por quase 15 anos, Fux foi juiz do TJRJ – a mesma Corte para a qual sua filha foi nomeada desembargadora há cerca de dez meses. Com relação ao auxílio-locomoção, o tribunal justificou seu pagamento afirmando que equivale ao vale-transporte da iniciativa privada.  A insensibilidade da magistratura fluminense ficou evidenciada no final de 2016, quando juízes de Varas da Fazenda Pública, acolhendo recursos impetrados por associações de servidores, mandaram abrir os cofres públicos e recolher o dinheiro guardado para pagar os salários de juízes, promotores e defensores públicos. Segundo eles, permitir que o Executivo ficasse com dinheiro em caixa ou estabelecesse datas diferentes das previstas pela Constituição para o repasse do Judiciário significaria uma “afronta” ao princípio da independência dos Poderes. A irracionalidade e o irrealismo da corporação chegaram a tal ponto que, na mesma época, alguns de seus integrantes determinaram o confisco até de recursos provenientes de empréstimos concedidos por organismos multilaterais para financiamento de programas sociais no Rio. Infelizmente, essa conjugação de insensibilidade, alienação e insensatez não é característica exclusiva da magistratura fluminense. Também alheadas da difícil situação econômica do País e das restrições orçamentárias da União e dos Estados, outras corporações de juízes e promotores, que recebem os maiores salários do setor público, esquecendo-se de que os Poderes são independentes, mas o cofre é um só e a responsabilidade sobre o que sai é do Executivo, estão reivindicando reajuste salarial, a título de reposição da inflação.