Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Anêmica vida partidária

Um corretivo para o lamentável quadro partidário seria a PEC que impõe cláusula de barreira

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

A notícia causa certo desconcerto. Alguns deputados do PMDB articulam saída da legenda em razão de desconforto ideológico em relação ao partido. O deputado Celso Pansera (PMDB-RJ), por exemplo, reconhece que está à procura de uma sigla “mais à esquerda” e, entre outras opções, mantém conversas com o PDT. O possível desconcerto é que, falando nesses termos, se pode ter a equivocada impressão de que os partidos cultivam alguma definição ideológica e que a escolha de uma nova legenda é resultado de uma ponderação a respeito de doutrinas, ideias e propostas.

Essa habitual movimentação dos parlamentares, que se intensifica na medida em que se aproxima o fim do mandato, não é sintoma de vitalidade, e sim de uma profunda anemia que se abate sobre a vida partidária brasileira. Não faz muito, o presidente Michel Temer, com sua vivência política – teve vários mandatos parlamentares e foi presidente da Câmara dos Deputados por três vezes, além de presidir o PMDB por muitos anos –, reconheceu que “o Brasil não tem partidos, só siglas”.

Não se trata de um exagero. O troca-troca de partidos levado a cabo por alguns parlamentares não tem relação com a busca por uma melhor representação da sua base eleitoral. Quase sempre, a ida para outra legenda é mera decorrência da insatisfação com decisões e arranjos de outros caciques e facções partidários. Alguns têm seus interesses desagradados em função da divisão do latifúndio e vão tentar a sorte em outros ares. Mas só mudam vantagens e desvantagens. A oferta de melhores condições para disputar a próxima eleição é o fator decisivo da migração.

Tamanha é a indistinção ideológica entre os partidos nacionais que soa a coisa normal, por exemplo, a declaração da deputada Laura Carneiro, do PMDB-RJ, de que avalia a possibilidade de migrar para o PDT ou o PSB, ou até mesmo para o DEM. São partidos que declaram posições ideológicas divergentes. Como as variantes de ideias e ideais são irrelevantes, a impressão que se tem com a atuação de alguns políticos é que o único realmente importante é detectar a legenda que oferece, naquele momento, maiores e melhores benefícios.

O deputado Celso Jacob, também do PMDB do Rio de Janeiro, diz estar insatisfeito com sua legenda. Ao menos, admite que a questão não é tanto ideológica, mas penal. “Não descarto sair. Vou avaliar o quadro nacional e do Rio, principalmente, depois de todas essas delações para decidir”, disse o deputado, que avalia a situação do Rio de Janeiro como “muito complicada”. Certamente não falta motivação para mudar de legenda, tendo em vista a responsabilidade de vários colegas de partido – por exemplo, o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-deputado Eduardo Cunha – pelo quadro de calamidade no Estado.

O PMDB tem hoje a maior bancada da Câmara, com 64 deputados. Desse total, seis admitiram ao Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, que já conversam sobre migração com outras siglas. Estima-se que mais integrantes também estejam insatisfeitos com o partido e articulem reservadamente possível troca.

De acordo com a legislação eleitoral, o próximo período previsto para mudança partidária sem risco de perda de mandato será em março de 2018, seis meses antes das eleições. Tamanha antecedência nessas articulações revela a importância que alguns políticos dão a eventuais trocas de legenda. Para muitos, a sobrevivência política mais depende desse troca-troca do que de uma real identificação com parte do eleitorado.

Um corretivo para esse lamentável quadro seria a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 36/2016, que impõe cláusula de barreira aos partidos. O pleno funcionamento parlamentar, como o acesso ao Fundo Partidário, ficaria condicionado à obtenção de um mínimo de votos em cada eleição. Sem dúvida, a medida expurgaria boa parte dos partidos nanicos, que, hoje, custeados pelo Estado, só servem a seus proprietários. De toda forma, a ajuda decisiva deve vir do eleitor, não votando em político ruim.