O setor da saúde já começa a sentir, como era inevitável, os reflexos da difícil situação econômica do País, que exige cortes nos gastos públicos, como deixou claro o ministro Arthur Chioro em entrevistas ao Estado e ao jornal Valor. Ele aponta as áreas em que é possível fazer economias, aquelas que em princípio serão mais afetadas pelo ajuste fiscal e afirma que não faltarão recursos para assegurar o atendimento básico e de urgência, que inclui o Sistema Único de Saúde (SUS) e os hospitais conveniados.
São opções sensatas, ditadas pelo senso de responsabilidade que se espera dos administradores públicos em situações como essa. Na prática, pressionado pela crise, o Ministério está redefinindo prioridades, pelo menos no curto prazo. O tamanho do ajuste a ser feito vai depender das decisões da equipe econômica, mas Chioro lembra que no caso da saúde “temos a emenda constitucional que garante um mínimo a ser aplicado”.
Os cortes de gastos, diz ele, serão no funcionalismo, no saneamento básico e nas emendas parlamentares. Ressalvando que no caso do saneamento a redução de despesas tem de ser feita com muito critério, porque ele tem reflexos importantes na saúde da população, as outras opções são corretas. “A essência do SUS”, garante Chioro, “não será comprometida.” O mesmo vale para as Santas Casas e os hospitais filantrópicos conveniados, que asseguram quase metade dos atendimentos da rede pública.
A crise não se reflete na saúde apenas por meio do duro ajuste fiscal exigido para sua superação. O desemprego que ela acarreta tem também um importante efeito indireto, porque diminui o número de pessoas com acesso a planos de saúde. Só lhes resta procurar o SUS e a rede conveniada, que já operam com dificuldade, como reconhece o ministro: “O sistema está preparado, mas sem dúvida haverá aumento da sobrecarga de um sistema que já é subfinanciado e com sérias limitações para conseguir garantir acesso com qualidade que é assegurado pela Constituição”.
Outra decisão que vai na direção certa, porque reduz gastos, é a renegociação com os fornecedores do Ministério. “O governo vai ser mais incisivo nas negociações e usar o poder nas compras públicas, que é muito forte”, promete Chioro, lembrando que “somos um mercado de mais de 100 milhões” de consumidores de produtos médicos e hospitalares. Ele espera economizar este ano R$ 4 bilhões apenas na política de Parcerias de Desenvolvimento Produtivo, por meio da qual se faz a escolha de um certo número de produtos médicos. É uma quantidade razoável de recursos, e este é somente um exemplo do que se pode obter na renegociação a ser feita.
A forma como o Ministério da Saúde promete enfrentar a crise levanta duas questões. A primeira é que, se a renegociação com fornecedores pode dar tão bons resultados, tendo em vista a capacidade de pressão que o tamanho do mercado dá ao governo, por que isso não foi feito antes? É de esperar que se torne uma prática corrente daqui por diante, pois nada justifica que se perca tanto dinheiro por falta de esforço.
A segunda é que a revisão das prioridades do Ministério não deve ser atrelada à crise, que é passageira, mas ser aprofundada. Seria conveniente aproveitar essa ocasião para corrigir pelo menos uma distorção grave – a da falta da devida atenção ao SUS, que deve ser o centro da política de saúde. Quando a coisa aperta, como agora, é que se tem, mais do que nunca, a noção da sua importância.
Apostou-se muito, nos últimos anos, no papel dos planos de saúde, aos quais teriam acesso cada vez maior as camadas ascendentes das populações de baixa renda. Além de o acesso aos planos estar limitado pelo seu custo crescente, mesmo numa conjuntura favorável, a crise também acentuou a fragilidade dessa aposta. Concentrar a atenção na rede de saúde pública significa investir prioritariamente no SUS, corrigindo sua defasada tabela de procedimentos, para evitar o colapso dos hospitais conveniados, e também interromper a eliminação de leitos, que se acelerou nos últimos anos.