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Arqueologia e turismo no Piauí

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Por Redação
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Os cientistas que instalaram a Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), em São Raimundo Nonato, no sul do Piauí, a 530 km de Teresina, sonhavam com um centro de estudos para pesquisadores e ambientalistas, nacionais e estrangeiros, além de uma atração turística. A área, declarada patrimônio da humanidade pela Unesco em 1991, abrange dezenas de sítios arqueológicos e paleontológicos, incluindo pinturas rupestres assinalando a presença do homem nas Américas há mais de 30 mil anos. Segundo a cientista franco-brasileira Niède Guidon, sendo aqueles sítios arqueológicos os mais importantes das Américas, o público que seria atraído para o local "seria A e AAA e existe hoje até lugar para um hotel de seis estrelas".A realidade mostrou, porém, que não se pode implantar um polo dessa natureza com improvisações, como se tentou fazer em plena caatinga, numa das regiões mais pobres do País, quase desprovida de infraestrutura. O projeto turístico do Parque Nacional da Serra da Capivara tornou-se um exemplo de falta de planejamento e de desperdício de verbas públicas.Desde 2002, quando se decidiu construir um aeroporto em São Raimundo Nonato, um dos quatro municípios onde se localiza o Parque, a obra já consumiu R$ 25 milhões, ultrapassando em R$ 5 milhões o orçamento inicial. Foi construída apenas uma pista de 1.650 metros que só serve para aviões de pequeno porte (a Anac só homologa pistas com 2.500 metros de extensão para grandes jatos). E só vez por outra pousa ali um avião. Quanto ao terminal, que do ar deveria apresentar a forma de uma capivara prenhe, como previa o projeto, é apenas uma carcaça de ferros retorcidos, concreto aos pedaços, tijolos amontoados, tocos de madeira e pregos enferrujados, sob os cuidados de um único funcionário, como relatou a reportagem de João Domingos no Estado de domingo.Ainda que o aeroporto estivesse em condições de ser servido por uma linha aérea regular, seria indispensável que o local pudesse oferecer aos visitantes condições decentes de hospedagem. Na cidade de Coronel José Dias, de 4.541 habitantes, próxima de duas das principais entradas do Parque, o governo do Estado do Piauí construiu nove quiosques e realizou obras de urbanização de uma praça. Os quiosques, deixados ao abandono, servem hoje de banheiro público, mesmo antes de concluídas as instalações sanitárias. Para erguer os quiosques, o governo do Estado gastou R$ 2,15 milhões, dos quais R$ 1,39 milhão com verba do Ministério do Turismo. O senador Wellington Dias (PT-PI), que era governador do Estado quando as obras começaram, admite que se trata de "motivo de vergonha". O atual governo piauiense promete cancelar o contrato e realizar nova licitação.Atribui-se o estado atual de coisas à liberação por etapas de verbas pelo governo federal, o que teria atrapalhado o andamento das obras. O diagnóstico do Tribunal de Contas da União (TCU) e a investigação da Polícia Federal apontam em outra direção. O dinheiro foi pingando a conta-gotas, é verdade, mas obedecendo sempre a critérios eleitorais, sem compromisso algum com o turismo. Para terminar o aeroporto, pelo menos, o deputado Paes Landim (PT-PI) patrocina uma emenda que destinaria mais R$ 8 milhões, que viriam dos restos a pagar do governo federal em 2009 e 2010. O terminal deveria passar depois à esfera federal. Como os contribuintes estão fartos de saber, as obras inacabadas são sempre as que drenam mais recursos. Os governos estaduais ou municipais, propositalmente às vezes, deixam de concluí-las para carrear mais verbas e as empreiteiras aproveitam para pleitear aditivos. Para a administração federal, isso representa um dilema, pois, se as obras forem deixadas como estão, o que já foi gasto é inteiramente desperdiçado. De outro lado, concedendo mais recursos, só haverá a certeza de que a obra será levada a termo, caso haja fiscalização rigorosa, o que nem sempre - ou quase nunca - acontece. Basta ver o descalabro de São Raimundo Nonato.