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As audiências de custódia

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Por Redação
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O Tribunal de Justiça de São Paulo implantou em caráter experimental, no Fórum Criminal da Barra Funda, um projeto que obriga os distritos policiais da capital a apresentar os presos em flagrante a um juiz, para a realização de uma audiência de custódia, no prazo máximo de 24 horas.No primeiro dia da experiência, realizada com presos encaminhados por duas delegacias seccionais, foram promovidas 25 audiências, que resultaram na liberação de 17 pessoas. O Tribunal destacou 10 juízes do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária para participar da experiência e a Defensoria Pública estadual indicou 7 defensores. Se tudo der certo, a Corregedoria-Geral de Justiça pretende implantar a audiência de custódia em caráter definitivo em todo o Estado.O objetivo da audiência de custódia é analisar a legalidade das prisões em flagrante. Na audiência, o juiz decidirá se é necessário converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, se a prisão pode ser relaxada ou se o preso pode ser libertado provisoriamente, com ou sem a imposição de medidas cautelares, depois de entrevistá-lo, de analisar a folha de antecedentes e de ouvir as alegações de seu advogado - ou de um defensor público - e as manifestações da promotoria. O juiz poderá verificar se houve abusos durante a prisão em flagrante e se o autuado foi submetido a maus-tratos e a tortura nas horas em que ficou encarcerado. Poderá, ainda, requisitar exame clínico e de corpo de delito e, quando for o caso, determinar encaminhamento assistencial.Recomendada pelo Conselho Nacional de Justiça, apoiada pelas Defensorias Públicas estaduais, pela Defensoria Pública da União e pelo Departamento Penitenciário Nacional e prevista por pactos, convenções e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário há mais de duas décadas, essa medida é um importante avanço em matéria de respeito aos direitos humanos.Atualmente, as pessoas presas em flagrante chegam a ficar meses detidas em carceragens policiais, cadeiões e centros de detenção provisória, sem serem levadas à presença de um magistrado. No cotidiano dos fóruns criminais de todo o País, a maioria dos juízes tem contato com os presos somente por meio dos autos do processo. Em vários países europeus, as audiências de custódia são chamadas de "juizados de garantias".O projeto-piloto do Tribunal de Justiça de São Paulo esbarra, no entanto, em resistências de delegados e de promotores públicos. Em nome da primeira corporação, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal alegando que a iniciativa da Corte envolve direito processual penal - matéria que é de alçada federal e que só pode ser alterada pelo Congresso Nacional. A entidade também afirma que, ao impor regras e prazos para que autoridades policiais apresentem presos a juízes criminais, a experiência da Corregedoria-Geral de Justiça violaria o princípio da independência dos Poderes. Em outras palavras, como os delegados integram o Executivo, o Judiciário não poderia interferir em suas competências e atribuições.Já o Ministério Público de São Paulo, cujo chefe não assinou o termo de cooperação entre o Judiciário e o Executivo para a realização da experiência e também não compareceu à solenidade de lançamento do projeto-piloto, não quer deslocar promotores para as audiências de custódia. O órgão entende que, ao permitir que o juiz ouça as manifestações dos advogados de defesa e dos promotores, a audiência de custódia converteria uma etapa pré-processual em etapa de prova. Os promotores também alegam que, independentemente das determinações estabelecidas pela Corregedoria-Geral de Justiça, a polícia já é obrigada a informar prisões em flagrante em 24 horas.Ao resistir a essa iniciativa da Justiça, as agremiações de delegados e de promotores estão colocando seus interesses políticos e corporativos à frente dos direitos fundamentais.