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Opinião|As boas leis

Uma das que ‘pegaram’, o Código de Defesa do Consumidor veio para mudar práticas nocivas

Atualização:

No imaginário popular há leis que pegam e leis que não pegam. A Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor – é norma legal antecedida de amplos estudos, consultas, discussões, audiências públicas e pode ser considerada uma lei que pegou. Graças a ela, as relações entre consumidores e fornecedores, ao longo de sua vigência de 25 anos, apresentam amadurecimento e desenvolvimento relevantes.

O código é fruto de determinação da Constituição de 1988, que no inciso XXXII do artigo 5.º estabelece: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da atual Constituição estatuiu no seu artigo 48 que, dentro de 120 dias após a sua promulgação, deveria ser elaborado o Código de Defesa do Consumidor.

A Constituição cidadã – como a denominou o saudoso presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães – despertou e fortaleceu o exercício da cidadania, incentivando o surgimento de organizações não governamentais com vista à regulamentação dos direitos sociais, o que se fez sentir na criação das normas de defesa do consumidor.

Vale lembrar que, no plano da hierarquia das leis, o ordenamento jurídico nacional, como se fosse uma pirâmide, coloca no seu pico a Constituição federal. Imediatamente abaixo desta, as emendas à Constituição, aprovadas por maioria qualificada de três quintos dos membros da Câmara dos Deputados e igual quórum no Senado, em dois turnos de votação em cada Casa. Em seguida vêm as leis complementares, votadas por maioria absoluta de cada uma das Casas do Congresso Nacional, a fim de regularem matérias especificamente indicadas pela própria Constituição para serem regidas por aquelas.

Abaixo das leis complementares, as leis ordinárias – das quais há várias espécies:

- Leis ordinárias propriamente ditas, que versam sobre matérias de competência legislativa da União, votadas por maioria simples, ou relativa, de deputados e senadores, ou pela maioria dos membros das respectivas comissões, em razão de sua competência terminativa, nos casos previstos nos respectivos regimentos internos (Constituição federal, artigo 58, § 2.º, I), e, em qualquer caso, com a sanção presidencial ou a promulgação da lei pelo presidente da República, pelo presidente do Senado, ou, não o fazendo este, pelo vice-presidente do Senado.

- Leis delegadas, baixadas pelo presidente da República mediante delegação expressa do Congresso, por resolução com essa finalidade exclusiva.

- Medidas provisórias, as quais, enquanto vigoram – ou seja, durante o prazo constitucional de 30 dias –, têm força de lei ordinária.

- Decretos legislativos são emitidos pelo Congresso, no desempenho de sua competência exclusiva, e têm força de lei ordinária.

- Regimentos internos e resoluções da Câmara, do Senado e do Congresso, em matérias de competência privativa de cada Casa, devem ser regidas pelos respectivos regimentos.

Abaixo das leis federais estão as Constituições estaduais e as leis delas decorrentes; e a lei orgânica de cada município e suas leis, em matéria de competência local.

A Lei n.º 8.078/90 é ordinária, aprovada nos termos constitucionais pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República. O governo agiu acertadamente ao designar comissão para elaboração de anteprojeto de lei que, mais adiante, seria assumido pelo então deputado federal Geraldo Alckmin (PSDB-SP), que conduziu discussões e aperfeiçoamentos, transformando-o em projeto de lei. Vale destacar o nome dos juristas que participaram da elaboração do anteprojeto: professora Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim, Daniel Roberto Fink, Jose Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe, Nelson Nery Júnior e Zelmo Denari.

O Código de Defesa do Consumidor entrou em vigor 180 dias após a promulgação da lei que o criou. Medida acertada e que permitiu adaptação das partes envolvidas: consumidores e fornecedores. Veio para ficar e modificou práticas arcaicas e nocivas que deixavam o consumidor desprotegido.

Ouvidorias, abolição dos confusos e ininteligíveis contratos de adesão, serviços de atendimento ao consumidor (SACs), o 0800, “fale conosco” são decorrentes da oportuna Lei 8.078, que constituiu importante marco do desenvolvimento socioeconômico do País.

O código é preciso ao definir a figura do consumidor e do fornecedor. “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” e “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

Já produto é conceituado como “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” e serviço, “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

O código permite, também, a revisão dos contratos como consequência da chamada cláusula “rebus sic stantibus”, configurando-se aplicação da teoria da imprevisão. No artigo 6.º, estabelece que são direitos básicos do consumidor: “V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais”.

O balanço dos 25 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor é positivo: consumidores mais informados e empresas mais preparadas. A conscientização do consumidor, sem dúvida, é um dos maiores reflexos que o código introduziu e/ou causou na sociedade.

*Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e do Conselho Superior de Estudos Avançados da FIESP (Consea)  

Opinião por Ruy Martins Altenfelder Silva