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As férias dos procuradores

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Por Redação
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Ao julgar um recurso extraordinário com repercussão geral apresentado pela Advocacia-Geral da União, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que os procuradores da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e de empresas públicas e sociedades de economia mista têm direito a não mais que 30 dias de férias por ano. Procuradores que atuam em Ministérios, universidades federais, agências reguladoras e autarquias, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Conselho Administrativo de Defesa Economia (Cade), reivindicavam férias anuais de 60 dias. A pretensão foi acolhida pela Turma Recursal da Seção Judiciária de Maceió, em Alagoas, sob a justificativa de que as duas leis ordinárias que tratam da matéria - uma de 1953 e outra de 1962 - teriam sido recepcionadas como leis complementares pelo artigo 131 da Constituição Federal. Entre outras medidas absurdas, essas duas leis concediam 60 dias de férias por ano aos membros da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Com base no princípio da analogia, a Turma Recursal da Seção Judiciária de Maceió entendeu que esse benefício também deveria ser estendido aos procuradores federais. O problema é que, em 1997, uma lei ordinária sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso - a Lei n.º 9.527 - revogou as leis editadas em 1953 e em 1962 e fixou em 30 dias as férias dos advogados e procuradores da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Recorrendo a uma engenhosa hermenêutica jurídica, os procuradores federais alegaram que uma lei ordinária não poderia revogar leis recebidas como complementares pela Constituição e recorreram aos tribunais. E, com base no princípio da isonomia, também invocaram os mesmos benefícios concedidos aos procuradores do Ministério Público Federal, que têm férias anuais de 60 dias. O caso subiu para o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região, com sede em Brasília, que rejeitou essa argumentação e manteve as férias anuais de 30 dias fixadas pela lei de 1997. E, depois de sucessivos recursos impetrados pelos procuradores e pela Advocacia-Geral da União, o processo chegou ao Supremo, tendo sido relatado pela vice-presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia Rocha.Refutando os argumentos dos procuradores federais, ela afirmou que as leis de 1953 e de 1962 não foram recepcionadas pela Constituição Federal. Observou que determinadas modificações nas carreiras do funcionalismo público - como regulamentação de férias, por exemplo - podem ser feitas por meio de leis ordinárias. Com isso, reconheceu a validade da Lei n.º 9.527/97, que estabeleceu férias anuais de 30 dias para todos os servidores jurídicos da administração federal direta, autárquica e fundacional. A ministra Cármen Lúcia lembrou ainda que essa medida é prevista não apenas pela Lei 8.112/90, que instituiu o regime único dos servidores públicos, aos quais os procuradores federais estão vinculados, como também pela Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, de 1993. Argumentou que as férias de 30 dias também foram previstas pela Medida Provisória 2.229/43, de 2001, que criou, organizou e reestruturou diversas carreiras, cargos e funções técnicas comissionadas na administração pública federal direta, autárquica e fundacional - entre elas as dos procuradores da Marinha e dos assistentes jurídicos, advogados da Advocacia-Geral da União, da Superintendência de Seguros Privados, da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central. Por fim, negou a equiparação funcional das carreiras de procurador federal e procurador do Ministério Público Federal, alegando que exercem funções distintas. Diante de leis claras e objetivas, custa crer que uma pretensão corporativa tão absurda tenha consumido tanto tempo e tantos recursos da Justiça.