Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|As regras do jogo

Atualização:

A morte de Eduardo Campos inaugurou uma nova realidade na campanha eleitoral. Mas é uma ilusão pensar que tudo mudou. Há elementos que permanecem, como, por exemplo, a força eleitoral do governo federal, baseada na sensação de que os tempos de prosperidade e crescimento econômico não acabaram. Para muitas pessoas, a crise ainda não é um fato. Na verdade, ela é um conjunto de índices e perspectivas sombrias que somente os mais atentos conseguem captar. Dilma Rousseff, por exemplo, deixou de negar a crise e espantar os urubus que rondam o seu discurso triunfal. Agora admite sua existência e ressalta: "Mantivemos empregos e salários". Ela se dirige precisamente àqueles que ainda não sentiram a crise. Seu ministro do Trabalho disse que, em termos de emprego, o Brasil tinha chegado ao fundo poço. Depois desmentiu: o buraco não seria tão fundo como a sua frase dera a entender. Isso se parece com aquela piada do Millôr, a de um homem caindo de um décimo andar que, ao passar pelo oitavo, diz: "Até aqui, tudo bem". O cara da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, parece ter decidido pela delação premiada. Ele é o cara porque articulava tudo, tinha milhões de dólares na Suíça. Antes ele havia dito, na cadeia, que não poderia abrir a boca porque, caso falasse o que sabe, não haveria eleições no País. É uma força de expressão. As eleições brasileiras podem renascer, como após o desastre que matou Eduardo Campos. Não importa o que Paulo Roberto diga, elas vão ser realizadas no dia 5 de outubro. A morte de Campos e a entrada de Marina Silva na disputa pela Presidência reafirmaram a tendência de segundo turno. Mas ela não é novidade. O PT, com Lula ou Dilma, sempre ganhou no segundo turno. A novidade é que a oposição pode triunfar. Para isso é preciso que demonstre, com clareza, que a sua proposta é a que melhor protege salários e empregos. Ela precisa encontrar uma unidade entre sua proposta econômica e a disposição de combater o fisiologismo e reduzir a corrupção no Brasil a níveis administráveis. Não acredito em longos programas de governo, embora esteja sempre disposto a discuti-los e a sintetizá-los, como fiz com o seminário de três dias realizado pelo PPS em Brasília. O ideal seria fixar em alguns pontos comuns. Isso é possível. Basta analisar o discurso dos candidatos de oposição para perceber que convergem em várias questões essenciais. Eduardo Campos e Aécio Neves tinham uma relação cordial, trocavam ideias constantemente. Isso não impediu que procurassem singularizar-se na campanha eleitoral, marcando suas diferenças. Essa troca de ideias é fundamental. É uma ilusão supor que se governa um país tão complexo como o Brasil sem criar uma base de sustentação técnica e política. A maioria das pessoas quer mudança. Mas ainda não está muito claro que mudanças querem. Suponho, pela constância das denúncias, que se queira estancar a corrupção. E, naturalmente, a julgar pelas manifestações de junho de 2013, melhores serviços públicos. Tão amplo desejo de mudança exige clareza de ideias, mas, sobretudo, humildade. Segundo as pesquisas, metade dos eleitores de Dilma também quer mudança. Isso significa que, potencialmente, eles podem abandonar a candidatura dela se as propostas de mudanças forem diretas. E se o bloco que disputar com o PT, no segundo turno, der claras indicações de que a governabilidade não estará ameaçada. Todos esses palpites são de um simples eleitor. Não estou dentro das eleições, não conheço seus bastidores, não me informei sobre afetos e rancores que as movem neste instante. Muitos analistas reclamam que o quadro está confuso. Lamentam que as decisões possam ser tomadas num clima emocional. Ao longo destes anos vimos o processo político degradar-se, o abismo se abrindo entre instituições e eleitores. Mesmo as eleições de 2010, marcadas por fortes votações em candidatos folclóricos, como Tiririca, já eram inquietantes. Depois disso vieram as manifestações de 2013, mostrando mais claramente como o povo estava insatisfeito com o governo, com a oposição e com todo o sistema político. Observo apenas a contradição de alguns setores que não se importaram em degradar a política e afastá-la do povo, na crença de que a máquina de governo e a propaganda tudo resolvem. Agora clamam por racionalidade, frieza e um roteiro seguro para dirigir o País. Não creio que Marina vá subir nos fios e fazer milagres, como aquela santa no filme de Pasolini. Mas terá a oportunidade de apresentar suas ideias, responder às questões mais delicadas, enfim, oferecer também uma base racional para ser aceita ou rejeitada. Tanto para ela como para Aécio, creio, um dos temas centrais é como se relacionar nesse conjunto de candidatos que propõem mudança, querem construir algo diferente do que fizeram o PT e seus aliados nestes 12 anos. A proposta de uma nova política não é esotérica se analisamos o discurso dos candidatos de oposição. Eles condenam o fisiologismo, o toma-lá-dá-cá, o balcão de negócios em que se transformaram governo e Congresso Nacional. Não se navega nessas águas turvas sem apoio dos políticos. Não é possível discriminá-los, afastando-os do governo. O que é desejável é que se escolham apenas os honestos e que tenham competência específica para o cargo que vão ocupar. Diante do segundo turno, emerge a possibilidade real de conduzir o País por um caminho mais sólido na crise econômica, menos corrompido na política, mais próximo dos grandes centros tecnológicos nas relações exteriores, mais sério na gestão dos serviços públicos. Há quem queira disputá-lo sozinho na oposição. Há quem prefira Dilma por achar o PT previsível. Mas assim mesmo teremos um ano de 2015 cheio de surpresas. Façam o seu jogo.*Fernando Gabeira é jornalista

Opinião por Fernando Gabeira