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Aumento na hora errada

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Por Redação
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Os Poderes Executivo e Judiciário não chegaram a um acordo a respeito do reajuste salarial dos servidores da Justiça da União e o Senado – sob pressão de manifestantes que, além de um buzinaço, promoveram o bloqueio de ruas próximas do Congresso Nacional – aprovou projeto de lei que concede aumento de até 78% entre 2015 e 2017 para esses servidores. O texto vai agora para sanção presidencial. Num cenário em que ninguém quer arcar com o ônus político de decisões impopulares, o País sofre as consequências de mais uma irresponsabilidade do Congresso, que aprovou mais uma medida de aumento de despesas. O impacto do reajuste é de R$ 1,47 bilhão em 2015 e de R$ 25,7 bilhões até 2018.

A proposta de reajuste foi apresentada em agosto de 2014 pelo ministro Ricardo Lewandowski, quando ainda ocupava interinamente a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), após o pedido de aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa. Na exposição de motivos, Lewandowski explica que o projeto “teve por escopo aprimorar as políticas e diretrizes estabelecidas para a gestão de pessoas, além de buscar solucionar problemas relacionados à questão remuneratória dos integrantes das carreiras judiciárias, cuja estrutura se mostra defasada em relação a outras carreiras públicas”.

Sem dúvida, é preciso aprimorar a gestão do pessoal do Judiciário. Mas esse aprimoramento, como se lê na proposta, está centrado na questão salarial. Segundo Lewandowski, os salários do Judiciário estão defasados em relação aos outros Poderes. No entanto, o Ministério do Planejamento nega veementemente a existência de qualquer defasagem nos salários do Judiciário. Segundo o Ministério, os valores atuais já são superiores em até 60% e com o reajuste a diferença pode chegar a 170% em favor dos servidores da Justiça. O fato é que o presidente do STF rejeitou a proposta do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, de equiparar o reajuste dos servidores do Poder Judiciário ao reajuste aplicado aos servidores do Executivo – aumento de 21,3%, escalonado até 2019. Queria mais. Muito mais.

Diante do impasse, o presidente do STF enviou ofício ao Senado informando das tratativas em andamento. Nelson Barbosa foi mais direto e pediu o adiamento da votação em virtude das negociações com o STF. Mas o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), preferiu ceder à pressão dos servidores e submeteu o projeto de reajuste à apreciação do plenário da Casa, que o aprovou por votação simbólica.

Segundo Calheiros, ele não poderia retirar o projeto da pauta sem o pedido das lideranças. “Caminharemos melhor se as decisões forem coletivas”, alegou o presidente do Senado. E assim, em pleno período de ajuste fiscal, os senadores aprovaram um aumento nada desprezível de 59,49% em média para os servidores da Justiça.

O projeto de lei aprovado, além de conceder um aumento generoso de salário para o pessoal do Judiciário da União – o que abrirá as portas para aumentos isonômicos nos Estados –, promete medidas administrativas que a experiência mostra que raramente são cumpridas. Assim “promete” o projeto aprovado: “O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça em conjunto com os Tribunais Superiores, o Conselho da Justiça Federal, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios deverão, no prazo de 1 (um) ano, a contar da publicação desta Lei, reduzir os gastos com as funções de confiança do Poder Judiciário da União, mediante racionalização de suas estruturas administrativas”. O texto não fixa cotas mínimas de redução de despesas. Já o aumento de despesas tem porcentuais muito bem definidos – de 53% a 78,56%, aplicados em seis parcelas sucessivas, entre julho de 2015 e dezembro de 2017.

Diante de tamanho desequilíbrio, cabe à presidente Dilma Rousseff vetar o projeto de lei. Afinal, não é moralmente justificável a concessão, em plena crise econômica, de aumentos que chegam a 78% a uma parcela do funcionalismo público.