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Opinião|Autonomia universitária, responsabilidade e ação

Foto do author Marco Aurélio Nogueira
Atualização:

Como tem sido usual de alguns anos para cá, 2015 iniciou-se com a sombra da crise orçamentária rondando as universidades estaduais de São Paulo. A situação foi dramatizada, agora em maio, com o vaivém governamental na formulação do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2016. 

Inicialmente, o projeto substituiu o parâmetro de um “teto mínimo” da arrecadação do ICMS – fixado em 9,57% desde 1.989 – pela adoção de um “limite máximo” na sistemática de repasses para as universidades. Caso a proposta fosse aprovada, ela poderia implicar que o governo, a cada mês, fixasse unilateralmente o valor das transferências para as universidades, diminuindo o poder que têm elas de planejar a gestão de seus recursos.

Dias depois o governador Geraldo Alckmin enviou à Assembleia Legislativa uma alteração no projeto de LDO, excluindo a expressão “no máximo” e determinando que o repasse mensal a USP, UNESP e Unicamp “respeite o porcentual global de 9,57% da arrecadação do ICMS”.

A autonomia universitária foi uma conquista. Entre 1986 e 1989, vivemos um difícil processo de negociações, ao final do qual se chegou à fórmula de financiamento que perdura até hoje. Segurança no fluxo de recursos, acréscimo na capacidade de planejamento, política salarial autônoma, entre outras coisas, fizeram com que o complexo universitário paulista se tornasse um exemplo de política pública bem-sucedida. São de domínio público os resultados positivos em termos de produção científica e qualidade de ensino, além de cooperação com a sociedade e com as demandas econômicas do Estado e do País. 

As universidades paulistas passaram por três momentos críticos nas últimas décadas. 

Em 1990, muitos julgavam que, com a contração econômica provocada pelo governo Fernando Collor, a autonomia passaria a ser um problema. Entre reitores e dirigentes, muitos falaram em “devolver a autonomia”. Aos poucos, universidades e governo se convenceram de que a autonomia era um grande trunfo para o desenvolvimento científico e de que a contração econômica não seria eterna. O tempo mostrou que a posição era correta. Em 2007, a crise envolveu ameaças de cortes de verbas e uma tentativa governamental de afastar a Fapesp das universidades. 

Hoje, temos de enfrentar a mãe de todas as nossas crises. Antes de tudo porque está em curso um processo de desvalorização das áreas “cerebrais” do governo. A proposta de extinção da Fundap e do Cepam, instituições técnicas que há tempos se mantêm com imensos sacrifícios, é bom indício disso. Uma proposta de LDO que implique redução de recursos arruinaria em poucos anos as três universidades públicas de São Paulo. 

A crise financeira que se arrasta não se deve apenas à existência de governos com valores distintos dos que as comunidades universitárias e científicas prezam. Hostilidades partem das áreas econômicas e de planejamento avessas a desenhos de financiamento de longo prazo das políticas de caráter social. Mas ataques só surtem efeito porque as universidades estaduais foram gradualmente deixando de lado a responsabilidade pela gestão financeira autônoma e perderam força no terreno da formulação de uma política consistente para o ensino superior. 

Recordemos: a nomeação do professor Grandino Rodas para a Reitoria da USP (2010-2013) conflagrou a instituição. Para pacificá-la procedeu-se a uma contínua distribuição de benesses a todos os segmentos corporativos: alocação de recursos para construções, laboratórios, vantagens salariais por fora das decisões do Cruesp, auxílios variados. As benesses silenciaram os interesses organizados. Nenhuma associação, entidade ou segmento se levantou contra elas ou as denunciou. O Conselho Universitário calou-se. Formou-se uma legião de responsáveis e de coniventes. 

A situação piorou com a vigência daquele perverso mecanismo que podemos chamar de “lei sociológica de absorção imediata das vantagens adjacentes”. Qualquer vantagem, justa ou injusta, obtida por uma categoria ou segmento será num curto espaço de tempo repassada a todas as outras. O mesmo acontece entre as universidades, que quase sempre absorvem e socializam o que acontece na USP. Não foi por acaso que os gastos com pessoal superaram ou estão atingindo 100% dos recursos oriundos dos cofres do Estado. É esse o epicentro da crise.

Os recursos repassados às universidades não são poucos. Certamente não estão no patamar desejável: são os recursos possíveis, que dependem do desempenho da economia e de muita negociação. Sempre será hora de buscar sua ampliação. Os atuais 9,57% do ICMS são insuficientes para garantir ensino, pesquisa e extensão de qualidade, sobretudo porque as universidades cresceram muito em vagas e cursos. Há certo consenso de que é preciso aumentar recursos e gastar melhor. Como, porém, fazer isso?

É necessário considerar qual política pública perderá com uma eventual elevação das transferências para as universidades. Se precisamos seguir algum padrão de responsabilidade financeira e justiça social, o princípio básico deveria ser o da parcimônia nas despesas fixas, tendo em vista que as receitas são variáveis. 

Somos todos responsáveis pela atual situação.

Qualquer mobilização, no entanto, pouco produzirá se se apoiar na ilusão de que a alocação de recursos deva seguir critérios de “no máximo” ou “no mínimo”. Será necessário mais do que isso: além de austeridade, criatividade e coragem política, temos de buscar fazer com que reitorias, professores e servidores ampliem o diálogo com a sociedade paulista, que é, afinal, quem paga a conta. 

*Marco Aurélio Nogueirae Geraldo Di Giovanni Respectivamente, professor titular e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp; e professor aposentado e ex-diretor (1997-2000) do Instituto de Economia da Unicamp, foi coordenador-geral da administração dessa universidade e chefe de Gabinete da Secretaria de Ensino Superior de São Paulo (2007-2008)

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

Geraldo Di Giovanni