Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Barreiras argentinas, de novo

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

De tempos em tempos, graças à bonomia da diplomacia companheira, a Argentina se sente à vontade para apertar o torniquete do comércio com o Brasil, impondo restrições à importação de produtos brasileiros sempre que precisa de artifícios para fechar o buraco de suas contas externas. Uma nova onda protecionista argentina está em curso há cerca de um mês, e o setor calçadista parece ter sido o primeiro a sentir os efeitos.As indústrias brasileiras venderam ao menos 500 mil pares de sapatos, tênis e sandálias para a Argentina, mas a mercadoria ainda não pôde ser entregue. Por determinação do secretário de Comércio Interior argentino, Guillermo Moreno, cada dólar em produtos importados por empresas argentinas tem de ser compensado com um dólar em produtos exportados - é o esquema batizado de "uno por uno". No caso dos calçados, os compradores argentinos ainda não conseguiram garantir a contrapartida.A política do "uno por uno" funcionava de modo informal pelo menos desde 2009, até ser transformada em exigência explícita em fevereiro de 2012, por meio da Declaração Jurada Antecipada de Importação, que deve ser emitida em relação à importação de bens de consumo. Na ocasião, o governo brasileiro manifestou preocupação com o impacto da medida para os exportadores, mas não foi além do protesto protocolar.As empresas brasileiras tiveram de usar diversas estratégias para driblar a restrição - que, segundo Moreno, deve durar mais dois anos. Alguns fabricantes contrataram intermediários argentinos para vender seus produtos a supermercados locais que não haviam obtido a autorização para a importação. O custo dessa triangulação chegou a 10% do total negociado. Outras indústrias aceitaram comprar produtos argentinos ou fizeram acordos com indústrias daquele país para que estas fabricassem e exportassem o volume necessário para cumprir as exigências de compensação.Com essa capacidade de adaptação às barreiras protecionistas do vizinho, a indústria brasileira registrou crescimento de 8,3% nas exportações à Argentina entre janeiro e julho deste ano, informa o Ministério do Desenvolvimento. No entanto, a venda de calçados para os argentinos, que vem em queda contínua há anos, recuou nada menos que 30% em relação a 2012, exemplificando a recente deterioração das relações comerciais entre os dois países.Especialistas advertem que não é possível esperar melhora desse quadro num futuro próximo. A Argentina perdeu credibilidade graças à sua política errática, que mistura estatismo, protecionismo, restrições cambiais e limite à remessa de lucros, tornando o ambiente empresarial instável e hostil. Por essa razão, o país tem tido imensa dificuldade de atrair investimentos estrangeiros para cobrir o déficit externo. As grandes empresas brasileiras, por exemplo, estão fugindo da Argentina - neste ano foram anunciados investimentos de apenas US$ 303 milhões, ante US$ 2,5 bilhões em 2012 e US$ 5,3 bilhões em 2010.Como a conta não fecha, o governo de Cristina Kirchner resolveu tornar a apertar o cerco às importações brasileiras, remédio que, além de afrontar seu principal parceiro comercial em diversos setores, já se provou danoso e inútil. A balança comercial argentina registrou neste ano superávit comercial de US$ 5,725 bilhões até julho, uma retração de 28% em relação a igual período de 2012 e muito longe dos US$ 10 bilhões anuais que os analistas dizem ser necessários para evitar uma grave crise cambial.Enquanto vira as costas para o Brasil, a Argentina se abre para a China. Entre 2003 e 2013 - isto é, ao longo dos governos lulopetistas, que se gabam de ter melhorado a relação com os vizinhos sul-americanos -, a participação brasileira no setor têxtil do mercado argentino caiu de 56% para 23%, informa o jornal Valor. Já a fatia chinesa subiu de 2% para 31% no mesmo período.A política protecionista argentina é, portanto, seletiva. Vale principalmente para os "hermanos" brasileiros.