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Batalha pela vida

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Por GIOVANNI GUIDO, CERRI, MÉDICO, PROFESSOR DA, FMUSP, É SECRETÁRIO DA SAÚDE, DO ESTADO DE SÃO PAULO, GIOVANNI GUIDO, CERRI, MÉDICO, PROFESSOR DA, FMUSP, É SECRETÁRIO DA SAÚDE e DO ESTADO DE SÃO PAULO
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É consenso entre os gestores da saúde pública que urge, em todo o Brasil, um programa integrado de assistência à dependência química. Recentemente o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ocupou este espaço para abordar, com propriedade, a necessidade de reestruturação da rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) para criar as condições necessárias a esse enfrentamento.No Estado de São Paulo foram criados, nos últimos anos, cerca de 400 leitos de internação de dependentes de álcool, crack e outras drogas, como alternativa terapêutica complementar ao acompanhamento ambulatorial realizado nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). A proposta do governo estadual é dobrar esse número até 2012.Uma questão particular e especialmente preocupante nesta área - e que vai além da já constatada necessidade de fortalecer a rede de assistência aos dependentes químicos - é o início cada vez mais precoce do consumo de bebidas alcoólicas entre crianças e adolescentes. Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi aprovado, há 20 anos, os jovens começavam a beber com 18 anos, em média. Hoje essa realidade mudou, e para pior.Levantamento da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo aponta que 80% dos pacientes em tratamento de alcoolismo no Centro de Referência em Tratamento de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), na capital paulista, deram o primeiro gole antes dos 18 anos, parte deles muito mais jovens, com 11 ou 12 anos. O consumo de álcool, tolerado na sociedade, é, na verdade, uma bomba-relógio com efeito retardado.Parte das pessoas que começam a beber na infância e na juventude se torna, mais tarde, abusadora dessas substâncias. Daí para a dependência química é um passo. Prevenir e coibir o consumo de álcool entre crianças e jovens é fundamental para evitar os sérios danos à saúde decorrentes do alcoolismo, além de acidentes, violência e todos os problemas sociais associados à ingestão excessiva e regular de bebidas alcoólicas.Trata-se de uma verdadeira "batalha pela vida", que o nosso Estado se propõe a enfrentar por meio do recém-lançado Plano Estadual de Combate ao Álcool na Infância e Adolescência, que conta com o apoio do Ministério Público de São Paulo e de representantes da indústria, bares, restaurantes e supermercados.O programa, que é intersecretarial, prevê ações para tratamento, educação e fiscalização do consumo indevido de álcool por adolescentes em todo o Estado, além da intensificação das blitze da polícia para flagrar e punir motoristas alcoolizados.Acaba de ser aprovado na Assembleia Legislativa paulista projeto de lei, encaminhado pelo governador Geraldo Alckmin, que endurece de forma exemplar a punição a estabelecimentos que ofereçam, vendam ou permitam o consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes ou crianças.Além de prever multas mais altas, interdição e até a cassação do registro dos estabelecimentos que descumprirem a legislação, o projeto toca num ponto essencial, obrigando os comerciantes a exigirem documento de identificação para realizar a venda ou deixar que bebidas alcoólicas sejam consumidas no local. A punição, portanto, estende-se ao consumo, e não apenas à venda de bebidas alcoólicas.Mesmo que as origens do problema ultrapassem a barreira da área de saúde pública, a expansão da rede de assistência médica é fundamental para tratar aqueles que, lá atrás, iniciaram de forma "recreativa" o consumo de bebidas alcoólicas, depois passaram a abusar dessas substâncias e criaram dependência crônica.Na cidade de São Paulo, o Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) terá um prédio voltado exclusivamente para o tratamento de dependência química. Com 52 leitos, dos quais 40 para adultos e 12 para adolescentes, o local também abrigará uma unidade do Centro de Atenção Psicossocial (Caps-ad), que atenderá 25 pacientes de alta complexidade por dia, e uma unidade do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que receberá até 14 famílias diariamente.O centro do HC contará com equipes multidisciplinares, assistentes sociais, enfermeiros e psicólogos, responsáveis por conhecer o cenário social do paciente: se ele tem emprego, família, quem são os amigos e se o uso de drogas e álcool faz parte do dia a dia dele. Também haverá escritórios, centros de pesquisa, salas de aula e salas de reuniões para familiares. A unidade, que deverá ser instalada numa área de 3 mil metros quadrados do Hospital Cotoxó - serviço hospitalar do HC no Bairro da Pompeia -, terá como finalidade, além da assistência aos dependentes químicos, testar novos tratamentos e expandi-los para outras regiões do País.Em Botucatu, no interior paulista, o governo está investindo mais de R$ 12 milhões para a implantação do Serviço de Atendimento Psiquiátrico para Dependentes Químicos, Álcool e Drogas, que começará a funcionar no primeiro semestre de 2012. Serão 3,7 mil metros quadrados de área construída divididos em oito blocos, com 76 leitos, dos quais 10 voltados para a desintoxicação. Outras regiões do Estado também contarão com serviços de internação especializados em álcool e drogas.A proposta das novas clínicas de reabilitação para dependentes químicos é que, além de medicação específica, os pacientes em tratamento recebam atendimento psicológico individual e coletivo e participem de atividades físicas e esportivas, além de realizarem terapias ocupacionais, como oficinas de pintura, artesanato e expressão corporal, entre outras.É importante que todos, tanto a sociedade quanto os profissionais da saúde, se unam para encarar essa batalha pela vida. Não há espaço para dúvidas ou indiferenças. O momento é de enfrentar o inimigo, unindo forças e trabalhando em prol do bem comum.