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Brasil e Argentina, cooperação nuclear

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Por Antonio de Aguiar Patriota e Héctor Marcos Timerman
3 min de leitura

No próximo dia 18 de julho completam-se 20 anos da assinatura, entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina, do Acordo para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear.Por meio desse acordo, a Argentina e o Brasil renunciaram conjuntamente ao desenvolvimento, à posse e ao uso das armas nucleares, afirmaram seu compromisso inequívoco com o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear e criaram a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc), para controlar os compromissos assumidos.Cinco meses depois, os dois países firmaram um acordo quadripartite com a Abacc e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), para a aplicação de salvaguardas abrangentes em todas as suas instalações nucleares.Esse passo transformou substancialmente o caráter de nossa relação bilateral no plano político.O tema nuclear deixou definitivamente de ser um ponto de possíveis suspeitas e se converteu num pilar central da confiança e da cooperação na relação estratégica entre os dois Estados sul-americanos, mediante um processo negociador e uma estrutura jurídica sem precedentes em nenhuma outra região.A grande maioria dos países do mundo adotou os compromissos e controles internacionais em matéria nuclear ao aderir ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Nós iniciamos esse caminho por meio do acordo bilateral e do acordo quadripartite, para, em seguida, nos somarmos ao Tratado de Tlatelolco - que transformou a América Latina e o Caribe numa Zona Livre de Armas Nucleares - e ao TNP. O Brasil e a Argentina estiveram também entre os primeiros países a assinar e a ratificar o Tratado para a Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT).A criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares representou a culminação, em termos jurídicos, de um processo de aproximação iniciado pelos então novos regimes democráticos da Argentina e do Brasil, com a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear, de Foz de Iguaçu, em 1985. Ao mesmo tempo, constituiu o ponto de partida para a consolidação de uma relação bilateral estratégica numa área central da segurança internacional.Na Abacc - que é uma organização independente -, as inspeções das instalações nucleares argentinas são levadas a cabo por inspetores brasileiros, e as inspeções das instalações nucleares brasileiras são conduzidas por inspetores argentinos. Essa dinâmica gerou, por si mesma, um elevado grau de confiança mútua sobre natureza pacífica dos nossos programas nucleares.Igualmente importante é a plena confiança que a Agência Internacional de Energia Atômica tem no trabalho da Abacc. Os dois organismos atuam de forma independente, porém complementar, buscando sinergias e evitando a duplicação de esforços.É a partir dessa referência que nos temos posicionado conjuntamente ante as diferentes questões que se colocam no debate sobre os temas nucleares. Temos muito clara a prioridade que a comunidade internacional deve atribuir ao desarmamento nuclear, entre os esforços para evitar a proliferação e construir um mundo mais pacífico e seguro, sem a ameaça das armas de destruição em massa.As recentes Declarações Conjuntas sobre Cooperação Nuclear, de 3 de agosto de 2010 e de 31 de janeiro de 2011, mostram a amplitude e a profundidade que alcançou essa relação e ratificam o compromisso da Argentina e do Brasil com um caminho conjunto.Esses pronunciamentos presidenciais destacam o caráter singular da Abacc como mecanismo de construção da confiança mútua e internacional que assegura o controle de todas as atividades nucleares da Argentina e do Brasil, e como fundamento da cooperação bilateral em matéria nuclear. Ao mesmo tempo, decidem que a Abacc deve ser constantemente aperfeiçoada e reforçada em suas funções e seus objetivos.Em seu 20.º aniversário, esta Abacc consolidada começou a participar, com status de observadora, das reuniões da Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica, da mesma forma que nela atua, por exemplo, a agência europeia - a Comunidade Europeia da Energia Atômica (Euratom ou CEEA).Além disso, numa coincidência de caráter histórico, há menos de duas semanas o Grupo de Supridores Nucleares (NSG, na sigla em inglês), integrado por 46 países, estabeleceu novos requisitos para a transferência das tecnologias mais avançadas no campo nuclear e reconheceu naquele ato, numa decisão sem precedentes, a participação na Abacc como critério alternativo ao cumprimento do Protocolo Adicional da Agência Internacional de Energia Atômica.O significado da experiência argentino-brasileira na promoção da transparência e da confiança mútua no campo nuclear foi também reconhecido em diversos documentos da AIEA e das conferências do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.Serve, assim, de exemplo e fonte de inspiração para outras regiões do mundo, onde, infelizmente, a presença de armas nucleares e de outras armas de destruição em massa é ainda uma realidade.Celebrar a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares é celebrar uma Argentina e um Brasil que olham para o mundo a partir de sua relação estratégica.É celebrar nossa vocação regional para a paz.RESPECTIVAMENTE, MINISTROS DAS RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL E DA ARGENTINA