Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Brasil (nem sempre) sorridente

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

A cada nova pesquisa sobre saúde pública no Brasil reforça-se, infelizmente, a impressão de sempre: a saúde não vai bem. Agora, é a vez da saúde bucal, cujos resultados são parte da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) – Acesso e Utilização dos Serviços de Saúde, Acidentes e Violências.

Apesar de o Brasil ser o país com o maior número de dentistas no mundo – são 260 mil profissionais –, 55,6% dos brasileiros não os consultam regularmente. No Norte e no Nordeste, os índices são ainda piores: 65,6% e 62,5% da população, respectivamente.

Os resultados referem-se a 2013 e integram o segundo volume da PNS 2013, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde. Para a pesquisa, foram aplicados questionários em 6.069 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e 49.130 domicílios de todos os Estados.

O primeiro volume da PNS, publicado há oito meses, referia-se à percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Segundo o IBGE, “o Brasil atravessa, atualmente, um período de transição epidemiológica, com uma profunda modificação dos padrões de saúde e doença, que interagem com fatores demográficos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Embora as doenças infecciosas sejam ainda importantes, há um crescimento significativo das doenças crônicas não transmissíveis”.

De acordo com a pesquisa, a maior parte (74,3%) do atendimento odontológico é feita em consultórios ou clínicas particulares. No entanto, apenas 5,2% dos brasileiros têm plano de saúde odontológico. No Sudeste, esse porcentual é de 6,5% e no Norte, de 3,4%.

Entre as pessoas de 60 anos ou mais de idade, apenas 28,9% consultaram um dentista no ano pesquisado. Quanto maior o nível de instrução, maior é o porcentual dos que vão ao dentista. Entre as pessoas que não completaram o ensino fundamental, apenas 36,6% fizeram uma consulta odontológica nos últimos 12 meses.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), Luiz Fernando Varrone, “as pessoas têm a ideia errada de que a saúde bucal e a geral são coisas separadas. Mas está melhorando: até a década de 1980, éramos conhecidos como o país dos desdentados”. No entanto, os números mostram que há muito a melhorar. Por exemplo, 11% dos brasileiros com 18 anos ou mais perderam os dentes. Entre os idosos, esse porcentual sobe para 41,5%.

A escovação dental ainda é um desafio: 10,9% dos adultos reconheceram que não escovam os dentes ao menos duas vezes ao dia. “A maior dificuldade é comprar escova de dente para todo mundo. Como não tenho salário certo, às vezes não consigo comprar”, relata o guardador de carros Eduardo José da Silva, de 52 anos e pai de seis filhos. Ele esteve apenas uma vez na vida no dentista, há 10 anos, quando precisou extrair 8 dentes de uma só vez. E não quer mais voltar, com medo de que lhe extraiam os restantes.

Os dados da PNS – como o fato de que a grande parte do atendimento odontológico é feita em clínicas particulares – indicam que o cuidado com a saúde bucal depende muito das condições financeiras de cada família.

Tal situação reflete a insuficiência da atuação do Estado nesse aspecto, ainda que o governo federal ostente há 11 anos um programa de saúde bucal, intitulado “Brasil Sorridente”. Diante dos números da pesquisa, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, teve de reconhecer que a atenção à saúde bucal precisa melhorar.

É uma pena que os anos de bom crescimento econômico não tenham sido aproveitados para a melhora na qualidade dos serviços públicos, especialmente aqueles relacionados à saúde. O governo optou por ações de curto prazo – de rápido efeito eleitoral e pouco resultado permanente. Talvez seja por isso que, de forma recorrente, a saúde apareça nas pesquisas de opinião como o tema que mais causa preocupação à população.