Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Brechas para os dólares

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

O Brasil recebeu US$ 23 bilhões de investimento direto líquido, de janeiro a abril, segundo o Banco Central (BC). Esse valor é quase o triplo do contabilizado nos primeiros quatro meses do ano passado, US$ 7,7 bilhões. Mas todo esse dinheiro será mesmo investimento direto? Boa parte, desconfia-se, é aplicação especulativa ou, em todo caso, de caráter estritamente financeiro. Se essa desconfiança tiver fundamento, estará confirmada, mais uma vez, a ineficácia dos controles do movimento de capitais. Barreiras podem conter a entrada durante algumas semanas ou meses, mas em pouco tempo os especuladores descobrem formas de furar o bloqueio. O governo adota medidas para limitar o ingresso de capital estrangeiro desde outubro de 2009. O excesso de dólares no mercado provoca a valorização do real. Isso barateia a mercadoria importada e, ao mesmo tempo, encarece o produto nacional em moeda estrangeira. O produtor brasileiro fica em desvantagem diante do concorrente estrangeiro no mercado interno e fora do Brasil. Essa é uma das causas do grande aumento da importação de bens intermediários - destinados à transformação ou à incorporação em produtos finais - e também de mercadorias destinadas diretamente ao consumo. A demanda dos consumidores tem crescido rapidamente nos últimos anos, graças ao aumento da renda e do crédito. Com o real valorizado, boa parte desse mercado vem sendo suprida por meio da importação. Para frear a valorização do real, o governo tem erguido barreiras ao capital estrangeiro desde outubro de 2009. Um ano depois das primeiras medidas, novas limitações foram impostas. Em 4 de outubro do ano passado o Ministério da Fazenda elevou de 2% para 4% o IOF cobrado nas aplicações de origem estrangeira em papéis de renda fixa. No dia 5, foi ampliado de 750 para 1.500 dias o prazo concedido ao Tesouro Nacional para comprar dólares destinados ao pagamento da dívida externa da União. Mas logo ocorreu nova rodada de aumentos. No dia 18 o IOF incidente nas operações de renda fixa, fundos multimercado e fundos de ações foi aumentado de 4% para 6%. Além disso, o IOF cobrado sobre a margem de garantia para investimentos em derivativos foi elevado de 0,38% para 6%.Nos meses seguintes, o investimento direto estrangeiro cresceu. O aumento pode ser explicado, em parte, pelo bom desempenho da economia brasileira, com crescimento de 7,6% em 2010 e boas perspectivas de expansão em 2011 e nos anos seguintes. Estrangeiros podem ganhar bom dinheiro investindo em projetos novos de produção, comprando o controle ou adquirindo fatias substanciais de empresas brasileiras. Todos esses tipos de operação têm ocorrido, mas isso pode ser apenas parte da história. Não só analistas brasileiros mencionam essa possibilidade. A mesma suspeita foi manifestada em 27 de maio pelo economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, por ocasião de um seminário no Rio de Janeiro. Ele qualificou como "suspeitos" os números oficiais do investimento estrangeiro direto. Aplicações classificadas nessa rubrica permanecem livres de imposto, enquanto outras operações foram oneradas, a partir de 2009, com uma tributação crescente. O BC tem regras para registrar os vários tipos de operações, mas admite não ter meios para controlar o uso do dinheiro depois de incorporado no capital de uma empresa. Esse dinheiro pode ser usado para aplicações muito diferentes do investimento em máquinas, equipamentos e instalações. Além disso, os aplicadores podem recorrer a vários truques para escapar da tributação. Empresas especialmente montadas podem servir como canais para a movimentação de recursos finalmente aplicados em papéis de renda fixa ou ações. Reportagem publicada segunda-feira no jornal Valor enumera uma lista de expedientes com esse fim descritos por advogados especialistas em mercado de capitais. No jogo da criatividade, quem pretende controlar o fluxo de capitais é um fortíssimo candidato à derrota.