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Buracos e remendos

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Por Redação
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Foi uma boa surpresa o resultado das contas oficiais de janeiro, com saldo primário, destinado ao pagamento de juros, de R$ 21,06 bilhões para os três níveis de governo e para as estatais, excluídas a Petrobrás e a Eletrobrás. A meta da equipe econômica é um superávit primário de R$ 66,3 bilhões neste ano, soma equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado. O governo central - Tesouro, Previdência e Banco Central (BC) - deve fornecer a maior fatia, de R$ 55,3 bilhões. Mas é cedo para comemorar, até porque a maior parte do resultado de janeiro foi proporcionada por governos estaduais e municipais - R$ 15,87 bilhões. Não se pode apostar numa contribuição tão boa nos próximos meses.O resultado prometido para 2015, uma etapa crucial da arrumação das finanças governamentais, ainda vai depender de uma terapia dolorosa, muito corte de gastos e alguma recuperação de receita. Os primeiros lances foram feitos e a gritaria já começou, com protestos de políticos, sindicalistas e dirigentes de entidades empresariais.Para evitar qualquer arroubo otimista, convém olhar os números acumulados no período de um ano. Nos 12 meses terminados em janeiro, o resultado foi um déficit primário de R$ 31,39 bilhões, ou 0,61% do PIB. Somando-se os juros pagos, chega-se ao resultado nominal, um buraco de R$ 330,4 bilhões, ou 6,42% do PIB. É um desequilíbrio mais sério que o da maior parte das economias desenvolvidas, bem mais afetadas que o Brasil pela crise internacional.Logo depois da posse, a equipe econômica anunciou as primeiras medidas para fechar esse buracão. Com a redução de alguns benefícios trabalhistas e previdenciários o governo calcula economizar uns R$ 18 bilhões, mas o Congresso terá de aprovar essas mudanças. Nos últimos dias, o Ministério da Fazenda informou um corte de R$ 57,5 bilhões em gastos discricionários. Além disso, as despesas federais foram limitadas a R$ 75,15 bilhões até abril. A contenção inclui o dinheiro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).Mas a providência mais consequente, o contingenciamento de verbas, só será conhecida quando for feita a primeira revisão bimestral de receitas e despesas. Isso ocorrerá somente depois de aprovada a lei orçamentária, ainda parada no Congresso. Fontes de Brasília falam de um corte de até R$ 80 bilhões, mas esse número ainda é extraoficial.Mas o ajuste deve ir muito além de uma redução ocasional de gastos. Para produzir efeitos duradouros, a equipe econômica terá de rever criticamente as políticas adotadas nos últimos anos e de abandonar as chamadas ações anticíclicas. O aumento das contribuições previdenciárias pode ser um passo importante nesse caminho. A desoneração da folha de salários, implantada em 2011, foi uma tentativa - improvisada, como tantas outras - de reduzir o custo da mão de obra. As velhas contribuições sobre a folha foram substituídas por um tributo cobrado sobre o faturamento. A mudança custou ao governo R$ 21,5 bilhões no ano passado. A partir de junho, as alíquotas serão aumentadas.Dirigentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) protestaram imediatamente. O novo aumento de custo ocorre num cenário econômico muito ruim e a reação de empresários e sindicalistas era previsível. Mas o governo, se quiser produzir resultados de longo alcance, terá de passar a limpo as chamadas políticas anticíclicas. Algumas medidas podem ter sido úteis em 2009 e 2010. A partir daí as estratégias de crescimento fracassaram. Isso é comprovado pelo péssimo desempenho da indústria e pela redução do emprego industrial.Para arrumar as contas públicas e - mais que isso - repor a economia em condições de crescer, o governo terá de abandonar a estratégia de remendos e de improvisações. Nenhum truque de ocasião substituirá por muito tempo uma gestão responsável das contas públicas, uma reforma consequente do sistema tributário e uma política séria de competitividade. Isso deve ser claro pelo menos para empresários com alguma visão de longo prazo.