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Opinião|Caçadores de benesses

Atualização:

Atualmente presenciamos um esforço orquestrado, e nunca antes visto, de combate a práticas de corrupção que muita gente ignorava ou não dava a devida importância em razão do entusiasmo que inebriava o País. Embora ainda muito longe de perfeita, nossa combinação de democracia consolidada, diversidade partidária, mídia independente, Judiciário ativo e um conjunto de órgãos de investigação e controle não é encontrada em muitos dos nossos pares no mundo emergente.

Ainda que a vida tenha ficado um pouco mais difícil aos corruptos, pouco ainda fizemos para atacar uma outra prática que igualmente impede o avanço da nossa economia. São setores industriais pouco competitivos pedindo barreiras de importação, grupos organizados clamando por mais subsídios, servidores que se opõem a iniciativas de modernização da gestão pública e vários outros que só fazem rondar por Brasília à caça de benesses. Com tanta gente querendo “pagar meia-entrada” – para usar a expressão de Marcos Lisboa e Zeina Latif –, não é de estranhar que nossos gastos públicos se encontrem em total descontrole e com pouca efetividade.

Como coibir esse tipo de comportamento? Algumas pistas aparecem no livro Violence and Social Orders, de Douglass North (um dos líderes da nova corrente institucional em Economia, infelizmente falecido neste ano), John Wallis e Barry Weingast. Para eles, o problema não é a presença de grupos defendendo seus interesses – o chamado lobby. Até mesmo em economias desenvolvidas esse processo é parte do jogo democrático. O problema é quando alguns poucos grupos conseguem acordos às escuras, a partir de laços pessoais com políticos, e montam estruturas quase que perpétuas para preservar privilégios.

O remédio, neste caso, é tornar o processo mais competitivo e aberto, para que os benefícios se tornem transitórios e sujeitos a contestação. Certa vez, um amigo que liderou uma grande associação com atividade exportadora me disse que era muito mais fácil fazer lobby nos EUA do que no Brasil. Embora a pressão das corporações seja muito forte naquele país, o processo é mais aberto e transparente. É mais fácil saber com quem falar e quando falar. No Brasil, em contraste, o lobby ainda não foi regulamentado, apesar de existirem dois projetos de lei em discussão. Tudo ainda acontece na calada da noite, por meio de contatos pessoais daqueles com mais recursos para apoiar políticos e seus amigos.

É igualmente importante criar travas diversas para que a máquina pública não consiga dispensar recursos a esmo. Independentemente do processo de impeachment, a atual discussão sobre as pedaladas fiscais é benéfica porque mostra que indisciplina fiscal tem consequências. Já existem projetos de lei visando a impor mais limites de gastos, obrigar um cálculo mais preciso do impacto de subsídios e coibir interferência política em estatais – verdadeiras máquinas de distribuir recursos e oportunidades de negócio para grupos empresariais.

Mas tudo isso não será possível se não houver liderança política. Mal o ministro Nelson Barbosa sinalizou seu desejo de aumentar a idade mínima de aposentadoria como forma de estabilizar a trajetória dos gastos, o senador Paulo Paim, do próprio PT, disse que iria lutar contra a iniciativa. Em plena crise fiscal, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães, afirmou que precisamos de “mais Estado”. O que precisamos, na verdade, é de líderes que expliquem à sua base que não se pode gastar mais do que se arrecada. Líderes que se comprometam a impor limites legais aos gastos e maior transparência na interlocução com grupos organizados. Líderes que mostrem que o capital público tem custo e que estabeleçam prioridades para o nosso desenvolvimento.

No desejo de um melhor ano, ainda nos resta torcer por uma nova política ancorada no princípio de que é impossível e indesejável aceitar tudo e atender a todos, especialmente aqueles mais bem conectados.

*PROFESSOR TITULAR DO INSPER, É AUTOR DE ‘CAPITALISMO DE LAÇOS’ E DE ‘REINVENTANDO O CAPITALISMO DE ESTADO’ E-MAIL: SERGIOGL1@INSPER.EDU.BR

Opinião por SÉRGIO LAZZARINI