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Opinião|Caminho para a inclusão

Atualização:

Professores desmotivados, despreparados e até agredidos pelos jovens. Currículos desligados das aspirações dos alunos. Pais ausentes do processo educacional dos filhos. Descaso pela qualidade da gestão escolar e indicações políticas sem critério de mérito para cargos de direção. Elevado volume de desvios de verbas apurados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Essas são algumas das linhas que configuram um dos mais preocupantes gargalos do desenvolvimento nacional: a precária qualidade do ensino, que compromete o presente e ameaça o futuro do País. Não houvesse outros motivos, bastaria o impacto da escolaridade no processo de inclusão e ascensão social das camadas menos favorecidas da sociedade para tornar a questão educacional uma das prioridades centrais dos governantes que tomarão posse no início do próximo ano. Para corrigir e reverter a degradação do sistema de ensino - um universo de 27 Estados, 5.570 municípios, 50 milhões de alunos e 5 milhões de funcionários distribuídos por 200 mil escolas do ensino fundamental e médio - um bom começo talvez seja o resgate da figura do professor. Entre 2012 e 2013 houve uma queda de 22 mil concluintes dos cursos de licenciatura, segundo o Censo do Ensino Superior divulgado pelo Ministério da Educação. Além de prejudicar a qualidade de ensino, as reconhecidas deficiências da gestão escolar também são fator de desestímulo, pois os professores mais interessados e motivados se veem privados de boas condições para exercer seu ofício. Primeiro ponto a receber crítica dos especialistas: a prevalência de indicações políticas para cargos de gestão, quase sempre sem respeito a critérios de competência ou formação profissional. Dois recentes editoriais deste jornal põem o dedo na ferida ao afirmarem que a má qualidade do ensino não se deve - como muito se fala - à escassez de recursos orçamentários. Se ainda havia dúvida quanto a isso, ela seria eliminada pelo volume de dinheiro distribuído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) a Estados e municípios que não têm recursos para bancar o investimento mínimo de R$ 2.285 por aluno. De 2007 a 2013 as verbas desse fundo saltaram de R$ 67 bilhões para R$ 116 bilhões, descontada a inflação e tendo como destino o pagamento dos professores, a compra de equipamentos e a manutenção das atividades básicas, como transporte e merenda. Apesar da fartura de reais, a maior parte dos Estados beneficiados com fatias do bolo do Fundeb não atingiu a média nacional do Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb). Além da má gestão, tais recursos também são alvo de corrupção, segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) que apontou desvios de verbas em 73% dos 180 municípios fiscalizados. Como relata um dos mencionados editoriais, há menos de um ano a Polícia Federal prendeu seis ex-prefeitos, quatro vereadores e cinco secretários municipais de Educação da Bahia por desvio de R$ 30 milhões do Fundeb. Entre os ralos pelos quais escoa o dinheiro da educação, a CGU identificou gastos perdulários, falhas administrativas, contratos irregulares, superfaturamento, fraudes em licitações, notas fiscais frias. Entre as espantosas irregularidades e os desperdícios, a CGU apurou que comissões pagas por empresas vencedoras de licitações atingiam a média de 20% do valor do contrato. A CGU apontou, ainda, a falta de preparo técnico dos integrantes dos conselhos de acompanhamento do Fundeb, criados para promover o tal controle social dos gastos do fundo. Boa parte deles não monitora a aplicação das verbas (50% dos casos), não supervisiona a realização do Censo Escolar (59%) nem acompanha a elaboração do orçamento anual da educação nos respectivos municípios (63%). E para piorar a situação dos sofridos professores, quase 22% das prefeituras fiscalizadas não destinaram 60% dos recursos que receberam para pagamento dos seus educadores. Há casos de professores e de diretores escolares que conseguem driblar as dificuldades e obtêm resultados surpreendentes nos quesitos qualidade do aprendizado e respeito das comunidades em que atuam. Noticiados com louvor pela mídia, de um lado, eles despertam admiração e aplausos, mas, de outro, não deixam de causar perplexidade e até certo desencanto (mais um!) com nossas lideranças políticas. Isso porque, embora raros, considerando a amplitude da rede brasileira de ensino público, eles valem por uma indiscutível prova de que com uma correta política pública de educação as escolas poderiam ser, com certeza, a mais sólida alavanca para a redução das desigualdades sociais. Como o número de alunos cresce numa proporção inferior ao salto registrado nas transferências do Fundeb, é razoável inferir que com mais verbas os Estados e municípios beneficiados deveriam ter elevado o gasto por aluno, com consequente melhora do aprendizado. Só que, como mostram os indicadores nacionais e internacionais, a qualidade vem subindo, na média geral, a passos de tartaruga, até por consequência de outra falha - aliás, entranhada na cultura brasileira: a resistência à adoção de sistemas de avaliação do desempenho dos gestores escolares, dos professores e dos alunos. Sem instrumentos eficazes de fiscalização da aplicação dos recursos o ensino público continuará a ser a prova viva de que nem sempre o que falta é dinheiro para corrigir as distorções e melhorar o desempenho do mestre e do aluno. Mais do que a recorrente reivindicação por mais dinheiro dos cofres públicos, a qualidade da educação depende, principalmente, de ética no trato da coisa pública, de competência na gestão e do olhar vigilante da sociedade.*Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente do conselho de administração do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE) e da Academia Paulista de Letras Jurídicas 

Opinião por Ruy Martins Altenfelder Silva
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