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Opinião|Captura corporativista do CNJ

Atualização:

Ao declarar aberto o ano judiciário de 2015, no dia 2 de fevereiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Ricardo Lewandowski, prometeu encaminhar ao Congresso Nacional, ainda este ano, o projeto da nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), salientando que "é chegada a hora de rediscutirmos a base da magistratura de maneira a colocar os nossos juízes em um patamar profissional e institucional compatível com os inestimáveis serviços que prestam ao País". Pelo que se extrai da minuta do projeto, a ascensão dos juízes a esse cobiçado patamar será sustentada por dois pilares fundamentais: de um lado, o fortalecimento dos direitos e vantagens dos juízes; de outro, a contenção dos poderes disciplinares do órgão de controle da magistratura, o CNJ. Nos últimos dias, porém, temos assistido a uma agitação que pretende abalar essa estrutura. Quem não está a par dos acontecimentos imaginará que se trata de um movimento revolucionário: um levante radical contra os infindáveis privilégios que o projeto busca consagrar (auxílio-moradia no montante de 20% do salário; auxílio-transporte para o juiz que não dispuser de carro do tribunal; auxílio-educação equivalente a 5% do salário por filho até 24 anos; auxílio-plano de saúde correspondente a 10% do salário, mais 5% por dependente; entre diversas outras vantagens). Não é disso que se cuida. A reação, proveniente de conselheiros do CNJ, volta-se contra o assédio aos poderes do conselho. Não há dúvida de que a imprensa ouviu o clamor dos conselheiros. Em seu editorial, do dia 7 de abril, intitulado CNJ pelo avesso, a Folha de S.Paulo criticou duramente a proposta do ministro Lewandowski. Lembrando atuações importantes daquele conselho, como o combate ao nepotismo e aos supersalários no Judiciário, o jornal concluiu que a nova Loman significará um retrocesso para a Justiça brasileira. Na mesma linha, O Estado de S. Paulo, no editorial (A3) do último domingo com o título O CNJ em risco, após destacar as iniciativas moralizadoras que deram credibilidade ao Conselho Nacional de Justiça, questionou a medida patrocinada pelo ministro Lewandowski, sugerindo que ela representaria uma ameaça de esvaziamento dos poderes correcionais do órgão. Além disso, o jornal qualificou de absurdo o fato de, "pelo projeto, cuja redação teve a participação de associação de juízes, os presidentes dos Tribunais de Justiça terem de ser consultados previamente sobre a edição de resoluções do CNJ, uma vez que abre espaço para pressões corporativistas dos juízes e desembargadores estaduais". O reconhecimento do trabalho desenvolvido pelo CNJ é justo e a preocupação com o futuro do conselho, legítima e fundada. Todavia cumpre não idealizar excessivamente a ação moralizadora do CNJ. É uma ilusão supor que aquele órgão seja imune ao corporativismo dos juízes e perfeitamente vocacionado para o controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário. Muito embora seja essa a sua missão constitucional, o fato é que, mesmo em sua formatação atual, o CNJ é fortemente permeável ao espírito de corpo. Não se pode esquecer que quase dois terços de seus membros são integrantes da magistratura, das mais variadas origens, os quais exercem no conselho um mandato de dois anos. Portanto, é intuitivo que os anseios corporativistas estarão sempre rondando o CNJ, independentemente de qualquer proposta legislativa de reconfiguração de seus poderes. O modo como conselhos dessa natureza encaram certas questões remuneratórias pode dizer muito sobre o grau de penetração desses interesses. Aliás, seria muito proveitoso ouvir o que tem a dizer o coro dos conselheiros a respeito da outra base de sustentação da futura Loman. Por sua vez, a imprensa poderia perguntar-se: agiu bem o conselho, por exemplo, quando instituiu, à semelhança de órgão legislativo, auxílio-moradia para todos os magistrados do País, a partir de uma decisão liminar provisória do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF)? A tese acolhida pelo CNJ - e depois pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a pretexto de simetria remuneratória entre juízes e membros do Ministério Público - é controvertida. Em primeiro lugar, porque, de acordo com o artigo 39, parágrafo 4.º, da Constituição federal, tais agentes públicos "serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória". Além disso, a atual Loman, que, aliás, é anterior a essa norma, apenas faculta a instituição de auxílio-moradia por lei de cada ente federativo; e, ao menos no âmbito da União, não há previsão legal do benefício para os magistrados federais, mas tão somente para os membros do Ministério Público da União - mesmo assim, "em caso de lotação em local cujas condições de moradia sejam particularmente difíceis ou onerosas" (Lei Complementar n.º 75/93). Parece evidente que a questão não tem recebido a atenção que merece, mormente em tempos de crise financeira. Afinal, o ato do CNJ poderá custar centenas de milhões aos cofres públicos. Com efeito, diante do reconhecimento do direito ao auxílio-moradia pela própria administração - no caso, pelo CNJ -, não caberá mais a devolução pelos magistrados dos valores recebidos precariamente por força de liminar, se esta vier a ser revogada pelo órgão colegiado do STF ao final da ação. E o pior é que não há a menor previsão de quando o julgamento final da causa entrará na pauta da Corte. No entanto, qualquer que venha a ser a resposta do Supremo Tribunal à pergunta acima formulada, uma coisa já se sabe: a opinião pública ainda não compreendeu em sua plenitude os fatores imanentes de captura corporativista que permeiam o órgão de controle da magistratura. *Luciano Rolim é procurador da República 

Opinião por Luciano Rolim