Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Chávez e o futuro do chavismo

Exclusivo para assinantes
Por Rubens Barbosa
3 min de leitura

Quando exerci as funções de embaixador em Washington, tive a oportunidade de conhecer e de participar de algumas poucas reuniões com o presidente Hugo Chávez no contexto da Cúpula das Américas e das negociações da Alca. Impressionava-me, além do carisma, o seu voluntarismo. Um homem comum com determinação incomum. Orador sem papas na língua e conhecido por seus longos discursos, "a la Fidel Castro", se tivesse seguido o conselho do cardeal Mazarin em seu Breviário para os Políticos, "seja pouco loquaz a fim de evitar pôr em perigo sua bolsa ou sua vida pelas palavras supérfluas", teria partido sem ouvir do rei Juan Carlos aquele famoso "por que não te calas?". Estigmatizado por uns como líder totalitário por violar as liberdades individuais, subjugar o Legislativo e o Judiciário, deixar a economia devastada pela incompetência da gerência, e exaltado por outros como líder carismático que ampliou a participação popular, desenvolveu programas sociais e democratizou o país com profundas mudanças na vida política e econômica, Chávez não foi nem plenamente democrata, nem plenamente autoritário. As eleições marcadas para 14 de abril não trarão surpresas. O presidente-candidato, Nicolás Maduro, apesar da polarização e radicalização política, não terá dificuldade de convencer a maioria dos eleitores de que tem condições de levar adiante o ideário de Chávez, sobretudo no tocante aos programas sociais para os mais pobres. A nova liderança, para se afirmar, deverá, de início, radicalizar sua retórica, tanto interna quanto externa, com apoio militar. Resta conferir se governará de forma autoritária ou tenderá a reduzir a extrema interferência do Estado, tendo em vista as dificuldades para estabilizar a economia. Em qualquer hipótese, o chavismo deverá continuar com diferente entonação. Chávez - transformado em mito - estará para a Venezuela assim como Perón está para a Argentina: eternamente cultuado, a exploração de sua imagem garantirá a continuidade de uma liderança renovada com nuances e mudanças que a conjuntura determinar. Chávez defendeu no Hemisfério um modelo alternativo de desenvolvimento econômico e político, com forte crítica aos EUA, criando uma aliança com Equador, Bolívia, Nicarágua, El Salvador no que chamou de Alba, a Aliança Bolivariana para as Américas. Qual o destino da Alba sem seu inspirador e principal expoente? Como será o futuro do socialismo do século 21 e da revolução bolivariana sem seu líder e mentor? Não creio que a sombra de Chávez possa ser tão longa como a de Che Guevara ou Fidel Castro. Mesmo que Maduro e o equatoriano Rafael Correa tentem manter viva a chama bolivariana e assumam a liderança da Alba, depois de algum tempo as ideias-força do movimento, respaldadas pela força do petrodólar, tenderão a desaparecer. A mensagem bolivariana só poderia ser transmitida por alguém com a energia e a personalidade do ex-presidente venezuelano. Não parece ser o caso do sucessor de Chávez nem do presidente do Equador, país sem a visibilidade e a importância econômica da Venezuela. É possível prever um menor ativismo externo do governo de Caracas, mais preocupado em evitar divisões internas, tomar as rédeas da economia e manter os programas sociais. Nesse sentido, pode-se indagar o destino dos programas de assistência financeira e de petróleo a preços subsidiados aos demais membros da Alba, em especial a Cuba, que recebe mais de US$ 7 bilhões por ano. É possível prever uma atuação menos militante do governo de Caracas em temas hemisféricos, como a Cúpula das Américas, a OEA e a Comissão de Direitos Humanos. Caso prevaleça essa tendência, a atuação da diplomacia venezuelana terá perfil mais baixo, diferente do que ocorreu nas questões de Honduras, das Farc, na Colômbia, e mais recentemente na suspensão do Paraguai e do ingresso da Venezuela no Mercosul. Apesar da retórica antiamericana, não será surpresa uma gradual distensão nas relações com os EUA e menor militância na divisão dos países da América do Sul em relação a Washington, sobretudo se, a exemplo do Brasil, as relações com o Irã se tornarem menos intimas. Os primeiros contatos com os EUA foram feitos recentemente com o vice-presidente Maduro sobre a cooperação no combate ao narcotráfico. Apesar das resistências de setores industriais quando da entrada da Venezuela no Mercosul, não é de esperar que haja retrocesso no processo de integração com Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A Venezuela deve permanecer no subgrupo regional e os compromissos assumidos no Protocolo de Adesão deverão ser mantidos, apesar de nem sempre cumpridos. Os três governos brasileiros (FHC, Lula e Dilma) que tiveram de tratar com Chávez procuraram moderar seu voluntarismo, visando a atrair, e não isolar, a Venezuela, apesar das ações muitas vezes provocadoras do presidente venezuelano. O incremento das relações políticas e econômico-comerciais do Brasil com a Venezuela, iniciadas com FHC, consolidou-se por decisão pessoal de Hugo Chávez, por suas afinidades ideológicas com Lula e Dilma. O comércio, os investimentos e, sobretudo, os serviços brasileiros cresceram significativamente durante os anos de Chávez no poder. O portfólio de empresas construtoras brasileiras na Venezuela sobe a cerca de US$ 20 bilhões, o que explica, em larga medida, o apoio de Lula e de Dilma ao projeto de Chávez de se juntar ao Mercosul. O superávit comercial brasileiro é o maior entre nossos parceiros externos. Chávez foi, de fato, um grande amigo (ideológico) do Brasil. Seu sucessor deverá manter os compromissos do líder morto. A incógnita reside na incerteza da continuidade dessa ampla cooperação quando a oposição assumir o poder numa das futuras eleições.

* Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp.