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Chegou lá sem sair daqui

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Por Redação
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Nos costumes políticos brasileiros sempre haverá motivo para recorrer ao bordão do ex-presidente Lula. Fatos nunca antes ocorridos, lances nunca antes concebíveis, atitudes nunca antes esperadas se reproduzem com a naturalidade das noites que se seguem aos dias. O inusitado da hora é um vice-governador de Estado acumular a função com a de ministro, como acaba de fazer o veterano político Guilherme Afif Domingos, reserva de Geraldo Alckmin, ao aceitar o convite da presidente Dilma Rousseff para se tornar o 39.º membro do seu gabinete. Ele será o titular da nova pasta ministerial criada sob medida para as suas prioridades e aptidões, a Secretaria da Micro e Pequena Empresa. Já não bastasse o ineditismo da dupla função, há o da dupla militância. Desde 1981 Afif passou por uma penca de siglas - a começar do então PDS de Paulo Maluf - até, enfim, assinar a ficha do PSD de Gilberto Kassab, em 2011. Faz parte, de todo modo, de uma administração conduzida por um dos integrantes da comissão de frente do PSDB, a principal legenda de oposição à presidente petista a quem, em última análise, ajudará na campanha para a reeleição. Caso, naturalmente, o seu desempenho na recém-criada Secretaria adicione pontos à popularidade da presidente. E ajudar ele quer, confiante em que continuará no cargo em 2015. Nessa hipótese, o agradável se somará ao útil - a causa do micro e pequeno empreendedorismo, a serviço da qual Afif tem uma respeitável folha de realizações. Como se celebrizou por dizer, "juntos chegaremos lá".Se não a lei, ao menos o pudor deveria impedi-lo de ser ministro sem deixar de ser vice. Pela Constituição, apenas poderia ser - como foi - secretário e vice do mesmo governo. Alckmin entregou-lhe a pasta de Desenvolvimento Econômico do Estado. Demitiu-o por ter pulado a cerca partidária, largando o DEM coligado ao PSDB em 2010 para se tornar praticamente o cofundador da sigla pela qual Kassab pretende chegar ao Bandeirantes, atropelando a reeleição do tucano no ano que vem. A mesma reação o governador não pode ter agora: no Brasil, os vices não são nomeados ou demissíveis pelo chefe. Politicamente, para não passar recibo do golpe sofrido, Alckmin soltou uma nota constrangedora, cumprimentando Dilma pela escolha e prevendo que o escolhido "haverá de fazer mais ainda por São Paulo".Alckmin também teria desestimulado os planos de seus correligionários de entrar na Assembleia Legislativa com pedido de impeachment de Afif, na primeira oportunidade em que deixar de substituir o governador nos seus impedimentos. Prevendo o impasse - seria grotesco se, nesses casos, se licenciasse do seu posto no governo federal para assumir o estadual -, o dublê de vice e ministro teria feito uma proposta indecorosa ao governador. Este o avisaria de suas viagens a tempo de ele deixar o País pelo mesmo período. O apego de Afif ao que é, mais que um cargo, uma expectativa, como diziam os cínicos, configura o mais raso oportunismo, para falar português claro.Difícil de apontar quem perdeu mais com o episódio - se Alckmin, o governador mais uma vez desrespeitado politicamente pelo vice infiel, ou se a sua fraturada legenda. Não é de hoje que, em São Paulo, o PSDB é o seu pior inimigo. Vai a ponto de realizar uma convenção, como a de domingo, em que o nome do presidenciável Aécio Neves, apoiado por Fernando Henrique, nem é mencionado, e tem entre os seus quadros, sabe-se lá por quanto tempo ainda, o ex-candidato ao Planalto, duas vezes derrotado, José Serra, que afirma textualmente: "Já tive muitos cargos na minha vida e quero ter ainda mais". Não é difícil de apontar, porém, quem arrastou as fichas - a presidente Dilma e o ex-prefeito Kassab. Ela deu um grande passo para assentar na base aliada os 48 deputados e 2 senadores kassabistas e assegurar o apoio do PSD, com o seu tempo de 1m39s em cada bloco diário do período de propaganda eleitoral, na campanha de 2014. E ele se torna desde logo credor do Planalto - por se situar a uma distância virtualmente insuperável da candidatura dada como certa do governador pernambucano Eduardo Campos.