Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Cofre esburacado

Exclusivo para assinantes
Por Redação
Atualização:
3 min de leitura

Acuado pela crise política, sem meios para reanimar a economia, sem coragem e sem credibilidade para um programa severo de estabilização, o governo pouco pode fazer além de anunciar, mês a mês, a deterioração de suas finanças. Sem um plano sério de ajuste a partir deste ano, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, defendeu no Senado, na terça-feira passada, propostas de reforma fiscal para implantação a partir de 2017. Enquanto isso eram divulgadas as contas do governo central, com déficit primário – sem o custo dos juros, portanto – de R$ 25,07 bilhões em fevereiro e de R$ 10,27 bilhões no bimestre. A receita líquida acumulada nos dois meses, de R$ 191,32 bilhões, foi 1,4% menor que a de um ano antes, descontada a inflação.

Em janeiro e fevereiro de 2015 o resultado primário do governo central – Tesouro, Previdência e Banco Central (BC) – foi um superávit de R$ 2,99 bilhões, a preços da época.

A piora das contas oficiais, sem perspectiva de reversão a curto prazo, reflete a recessão criada por erros do próprio governo e a dinâmica das despesas. Enquanto a receita líquida encolheu, a despesa total, de R$ 201,6 bilhões, foi 5,7% maior que a do primeiro bimestre de 2015, também descontada a inflação.  Por limitações legais e também por motivos políticos, o governo tem extrema dificuldade para conter a maior parte dos gastos. A contenção, quando inevitável, acaba atingindo as despesas discricionárias, formadas principalmente por investimentos.

O cenário recessivo, com retração dos negócios e aumento do desemprego, afetou a arrecadação da maior parte dos impostos e contribuições. O corte de investimentos tende a prolongar a recessão e a deprimir o potencial de crescimento econômico do País.

O governo já estima para este ano uma contração de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), como lembrou o ministro da Fazenda no Senado. Para 2017, a previsão oficial é de 1% de expansão econômica. Os dois números são melhores que os do mercado (recuo de 3,7% seguido de avanço de 0,4%), mas indicam uma baixa expectativa de recuperação.

As projeções do governo foram formuladas mesmo sem a perspectiva de um corte severo de despesas neste ano. Ao contrário: no Ministério da Fazenda já se admite um déficit primário de até R$ 96,65 bilhões em 2016. A saída – custosa para o País, ineficiente e ainda sem apoio garantido no Congresso – é conseguir o retorno da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o malfadado imposto sobre o cheque.

Ontem, o BC divulgou o balanço geral do setor público – União, Estados, municípios e parte das estatais. Graças ao resultado positivo dos governos regionais e das empresas do setor público, o resultado foi um déficit primário de R$ 23,04 bilhões em fevereiro e um superávit de R$ 4,87 bilhões no bimestre. Por esses cálculos, o governo central teve um buraco de R$ 26,43 bilhões em fevereiro e um déficit de R$ 5,53 bilhões nos dois meses. Enquanto o Tesouro calcula a diferença entre receitas e despesas primárias, o BC considera, em seu relatório, as necessidades de financiamento do setor público. Isso explica as diferenças dos números.

Por qualquer critério, os números são piores que os de 2015, quando o saldo geral acumulado em dois meses, segundo o BC, foi um superávit primário de R$ 18,76 bilhões. Também segundo o BC, o déficit primário em 12 meses chegou a R$ 125,14 bilhões, ou 2,11% do PIB. No fim de 2015, a proporção era de 0,89%.

Incluído o custo dos juros, o déficit nominal – o mais usado em comparações internacionais – chegou em 12 meses a R$ 638,57 bilhões, equivalente a 10,75% do PIB, mais que o triplo do limite na União Europeia. Alguns analistas atribuem menor importância a esse número, mas indevidamente: afinal, os juros também refletem o estado da economia nacional – a inflação elevada, a classificação do crédito soberano e as dificuldades de financiamento das contas públicas. A conta de juros é parte expressiva do retrato econômico e político do País.