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Como os brasileiros veem a Justiça

Para cada problema social, político e econômico, sempre haverá quem acredite que a solução é, necessariamente, a criação de uma lei ou a sentença de um juiz

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Por Redação
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O cipoal legislativo que caracteriza o direito no Brasil provavelmente resulta da percepção de que todos os conflitos e desvios de conduta, seja na esfera pública, seja no mundo privado, podem ser resolvidos ou até mesmo evitados por meio da edição de leis ou por alguma decisão judicial. Para cada problema social, político e econômico, sempre haverá quem acredite que a solução é, necessariamente, a criação de uma lei ou a sentença de um juiz. É o que explica haver leis para evitar que algum desatento caia no fosso do elevador ou então por que se aciona o Judiciário para decidir questões exclusivamente familiares, como, por exemplo, em qual escola o filho de pais separados deve estudar. 

Essa situação inunda o Judiciário de processos que poderiam ser resolvidos em outras instâncias, o que reduziria o conhecido congestionamento dos tribunais, que faz a justiça tardar e estimula a sensação de impunidade. Sendo assim, não surpreende que, segundo mostra uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, a maioria dos cidadãos até acredita que a lei tenha sido feita para ser cumprida, mas considera que quase sempre prevalecerá o “jeitinho”, que é o outro nome, bem brasileiro, para o ato de burlar a lei.

Na mais recente compilação do Índice de Confiança na Justiça (ICJBrasil), produzido pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 74% dos entrevistados disseram que as pessoas devem seguir a lei mesmo quando esta é contrária ao que acreditam ser o certo. Além disso, 75% consideram que alguém condenado por um juiz a pagar certa quantia a outra pessoa tem a obrigação moral de cumprir a sentença mesmo que dela discorde. Para 61%, desobedecer à lei raramente é justificável.

No entanto, 76% dos entrevistados disseram que é fácil desobedecer à lei do Brasil. Para 81%, as pessoas, sempre que possível, escolhem dar um “jeitinho” para driblar a lei, enquanto 59% responderam que existem poucas razões para que uma pessoa siga a lei no País. O relatório da pesquisa conclui que há uma consciência coletiva do dever de seguir as leis, mas ao mesmo tempo prevalece, no imaginário coletivo, a ideia de que a lei, afinal, não será cumprida. 

Ou seja, a maioria dos entrevistados, embora manifeste reverência pelo Estado de Direito e diga que pessoalmente acredita ser essencial respeitar a lei, considera que, na prática, seus conterrâneos sempre encontrarão formas de desrespeitá-la e, quando convidados a responder se costumam seguir as leis, 15% reconheceram que não o fazem, enquanto 40% disseram respeitar apenas “um pouco”.

Disso resulta uma opinião ambígua em relação à Justiça, pois esta representa as leis que devem ser cumpridas e, ao mesmo tempo, é vista como vulnerável ao “jeitinho”. 

Dos entrevistados na pesquisa do ICJBrasil, mais de 80% disseram que buscariam os tribunais para solucionar problemas nas relações de consumo, de trabalho, com o poder público, com familiares ou com vizinhos, mas apenas 29% disseram confiar no Judiciário – índice bem inferior, por exemplo, aos das Forças Armadas (59%), da Igreja Católica (57%) e da imprensa escrita (37%). Além disso, não passa de 50% o porcentual de entrevistados para os quais a maioria dos juízes é honesta.

O ceticismo em relação à capacidade do Judiciário de fazer valer as leis do País possivelmente deriva do fato de que o direito é impenetrável para a maioria das pessoas, servindo somente aos iniciados e àqueles com recursos ou influência suficientes para fazê-lo funcionar a seu favor. 

A pesquisa indica que 91% dos entrevistados disseram que conhecem muito pouco ou ignoram completamente as leis, o que não chega a ser surpreendente, dada a maçaroca legislativa em vigor no País. Quando os cidadãos não se sentem minimamente familiarizados com as leis, não conseguem saber quais são seus direitos e acabam aceitando, como um fato da vida, que eles sejam capturados pelos “espertos” ou pelos que se acham donos do poder.