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Corações, mentes e esqueletos

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Por Redação
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Conquistar corações e mentes para restabelecer a confiança no governo e reanimar o empresariado é o primeiro grande objetivo da equipe econômica - e o passo inicial para isso é mostrar um firme compromisso com a arrumação das contas públicas. A afirmação desse compromisso - usar bem o dinheiro pago ao Tesouro pelo contribuinte - é a mensagem essencial do decreto assinado na quarta-feira pela presidente Dilma Rousseff e pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. O decreto disciplina os gastos federais até a publicação da lei orçamentária de 2015 e o governo acena com um aperto de cinto, nesse período, mais forte que o habitual. Em vez de 1/12, como em outras ocasiões, os órgãos da União poderão gastar mensalmente 1/18 das verbas previstas para cobrir despesas consideradas inadiáveis e manter o governo em operação, embora em ritmo mais lento.Por enquanto, a mensagem de seriedade ficou restrita ao Executivo. O Congresso apenas conseguiu aprovar, com um semestre de atraso, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com as linhas básicas do Orçamento-Geral da União. O projeto do Orçamento continua parado no Legislativo, porque os parlamentares entraram em recesso antes de votar a programação de receitas e de despesas para 2015.Segundo fontes do Congresso, a votação poderá ocorrer na semana seguinte ao carnaval, a partir de 23 de fevereiro. Nesse caso, os gastos serão regidos pelo decreto pelo menos durante dois meses. Nesse período, as despesas discricionárias ficarão limitadas a R$ 3,7 bilhões mensais. Sem o corte especial adotado, poderiam chegar a R$ 5,6 bilhões. A mensagem de austeridade se traduz, portanto, numa economia mensal de R$ 1,9 bilhão até entrar em vigor o novo Orçamento. O teste real da austeridade começará em seguida, quando o governo anunciar seus planos de contingenciamento de verbas e indicar os cortes possíveis durante o ano. Já se chegou a falar, extraoficialmente, de um ajuste de R$ 100 bilhões, mas esse número nunca foi confirmado. Por enquanto só se definiram as metas gerais de superávit primário. O objetivo fixado para o setor público, em todos os níveis, é garantir R$ 66,3 bilhões, equivalentes a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), para o pagamento de juros. A parte da União corresponderá a R$ 55,2 bilhões.O balanço final de 2014 deve ser publicado ainda neste mês. De janeiro a novembro, houve um déficit de R$ 19,6 bilhões, mesmo com receitas especiais e pedaladas financeiras - atrasos de transferências e pagamentos. O quadro dificilmente ficará muito melhor com o acréscimo dos números de dezembro. Algumas daquelas pedaladas afetarão as contas deste ano e fazem parte dos esqueletos deixados pela administração encerrada, formalmente, em 31 de dezembro.A coleção de esqueletos inclui os problemas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as dificuldades financeiras das empresas do setor elétrico, em grande parte criadas pelas ações voluntaristas da presidente. O BNDES poderá precisar de algum reforço adicional de caixa - além dos R$ 30 bilhões autorizados no fim do ano - para cumprir seus compromissos. As distribuidoras de energia foram socorridas com recursos do Tesouro nos últimos dois anos e em 2014 receberam R$ 17,8 bilhões de empréstimo bancário.O novo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, iniciou sua gestão defendendo mais um auxílio de R$ 2,5 bilhões às distribuidoras. Esse dinheiro foi gasto com a compra de eletricidade e as contas vencerão neste mês e no próximo. Se bancos estatais fornecerem os créditos, o governo renegará logo no início do ano uma das mais importantes orientações defendidas pelo novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.Mesmo sem a dança dos esqueletos, Levy, principal fiador da seriedade do novo governo, já teria um enorme trabalho para mudar usos e costumes na administração, conquistar corações e mentes e induzir os empresários a apostar na economia do País. No cenário macabro, seu trabalho será imensamente mais complicado.