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Coragem de mudar

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Por Redação
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A possibilidade de o governo voltar a adotar o regime de concessões onerosas para as ferrovias ainda está em estudos, mas ganhou força com a reunião entre o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e representantes de empresas da área de transporte há duas semanas, como mostrou reportagem do Estado. A intenção do governo agora é fazer leilões de ferrovias, em nova rodada do programa de concessões a ser definido em junho. Já estaria resolvido que dois trechos da Ferrovia Norte-Sul (FNS), numa extensão de 1.560 km, seriam repassados à iniciativa privada.

Com isso, poderá ser corrigido um erro de concepção, que, além de ter custado bilhões de reais, ainda está longe de produzir os resultados esperados, em razão da ineficiência e erros técnicos da estatal Valec Engenharia, subordinada ao Ministério dos Transportes, que nem mesmo teve o cuidado de fazer a manutenção adequada das obras já concluídas. Além disso, a Valec tem um histórico de corrupção, bastando lembrar que um de seus presidentes, José Francisco das Neves, o Juquinha, foi preso em 2012 por desvio de verbas, o que também concorreu para atrasar as obras da FNS.

O fato é que, depois de inaugurado pelo ex-presidente Lula e reinaugurado pela presidente Dilma Rousseff, o trecho de 855 km da FNS, entre Porto Nacional (TO) e Anápolis (GO), só entrou em fase de testes em março, após sucessivas protelações. Faltam ainda 699 km, de Ouro Verde (GO) a Estrela d’Oeste (SP), para que a FNS se interligue à malha ferroviária do Sudeste, como foi planejado, e não se sabe quando isso ocorrerá.

Pelo modelo que o governo pretendia adotar para as concessões, a Valec não só seria encarregada da construção por meio de licitações, como se tornaria única compradora da capacidade de transporte de cargas da ferrovia concedida. Mas, como foi noticiado, esse modelo será abandonado porque a equipe econômica não está disposta a comprometer dinheiro público com a emissão de garantias para a Valec comprar toda a capacidade de carga. Produtores rurais e tradings tinham dúvidas quanto à eficácia desse modelo.

Segundo as últimas informações, o governo promete uma “surpresa positiva” com relação às ferrovias, buscando canalizar para o setor mais investimentos privados. A concessão onerosa, por enquanto, é uma das opções cogitadas. Se adotado, esse modelo poderia ser estendido para outras ferrovias em projeto ou em construção. As concessões, além de dois trechos da FNS e da ferrovia entre Barreiras e Ilhéus, na Bahia, que já começou a ser tocada, abrangeriam também linhas importantes, entre as quais uma ligando Sinop (MT) a Mirituba (PA) e outra entre Rio de Janeiro (RJ) e Vitória (ES), entre outras reivindicadas pelo agronegócio.

Esse programa está articulado ao de modernização dos portos. A Valec poderia participar dos leilões para concessão dessas linhas, mas a dúvida é se teria condições financeiras para bancar esse tipo de obra sem recorrer ao Tesouro Nacional, de modo a poder concorrer não apenas com empresas de transporte ferroviário aqui instaladas, mas com companhias estrangeiras, particularmente da China, muito interessadas em participar de empreendimentos de infraestrutura no Brasil.

A Valec poderia formar consórcio com empreiteiras nacionais e estrangeiras, com participação minoritária. Seria útil, caso fosse prevista a utilização do corpo técnico da estatal com experiência em construções de ferrovias de longas distâncias. A estatal, porém, não pode ter funções de fiscalização, de responsabilidade da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Com a conclusão das obras da Ferrovia Norte-Sul, e se fossem tocados com presteza todos os demais projetos de ferrovias – que seriam todos viáveis, segundo os técnicos ligados ao setor produtivo –, as commodities que o País exporta ganhariam muita competitividade, elevando as exportações e o emprego, com impacto na atividade econômica.

O fundamental é que o governo tenha coragem de mudar.