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Cortesia com chapéu alheio

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Por Redação
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Recentemente, o Senado Federal deu um passo em direção a uma maior responsabilidade nos gastos públicos. Foi aprovada uma proposta de emenda à Constituição (PEC 84/2015) proibindo que uma lei crie ou aumente despesas da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos municípios sem a previsão de fonte orçamentária ou sem a transferência dos recursos necessários ao seu custeio. O objetivo imediato da PEC é blindar Estados e municípios de leis patrocinadas pela União que aumentam os encargos financeiros dos entes federados, mas não vêm acompanhadas do correspondente aumento de receita. O texto está agora na Câmara dos Deputados.

A PEC tenta evitar, assim, a chamada “cortesia com chapéu alheio”. Foi o que ocorreu, por exemplo, em 2008, com a criação, em âmbito federal, de um piso único para todos os professores da rede pública de educação básica – da educação infantil até o ensino médio. Ainda que louvável sua intenção de garantir uma remuneração mínima para os professores, a iniciativa ignorou a realidade federativa brasileira. Muitos Estados e municípios não têm condições de arcar com o valor-base. Também é preciso reconhecer que um piso uniforme para todo o País pode não ser a melhor garantia de uma remuneração justa, já que há muitas diferenças no custo de vida entre as várias regiões do País.

Ainda que comemorada pela categoria profissional beneficiada, não é esse tipo de lei que traz melhoras consistentes ao País. Aprova-se uma lei “justa” e “moderna” que depois é desrespeitada por boa parte dos Estados e municípios, sem condições orçamentárias para bancar seu custo.

A PEC vem, assim, trazer um pouco de realismo ao processo legislativo, impedindo medidas que, na teoria, podem ser boas, mas estão longe de serem generalizáveis a todo o País. A política é a arte do possível, e não a arte da irresponsabilidade. “É muito fácil propor e onerar sem saber de onde vem o dinheiro”, afirmou o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE).

De autoria da senadora Ana Amélia (PP-RS), a PEC foi aprovada por unanimidade pelo Senado, com algumas alterações propostas pelo relator, senador Delcídio do Amaral (PT-MS). Autorizou-se o aumento de despesas quando as obrigações financeiras forem assumidas espontaneamente pelos entes federados ou quando decorrerem da fixação do aumento do salário mínimo, que é nacional.

A rápida aprovação da PEC 84/2015 pelo Senado evidencia também que, quando há interesse dos parlamentares, uma proposta caminha com eficiência. Por tramitar em regime de urgência, o projeto não precisou passar pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Outro fator que contribuiu para a agilidade da proposta foi um acordo entre os líderes dos partidos, possibilitando a votação em dois turnos na mesma sessão.

Ao bloquear leis que aumentem as despesas sem as correspondentes receitas, a PEC 84/2015 não apenas promove a responsabilidade do Poder Executivo federal – motivo pelo qual recebeu a aprovação unânime dos senadores. Ela impõe limites ao próprio Poder Legislativo, ao impedir a criação de leis financeiramente irresponsáveis. Não é ocioso lembrar que leis tão criticadas agora pelos Estados e municípios – como é o caso da imposição de um piso comum a todos os professores públicos do País – passaram em algum momento pelo Congresso Nacional.

Também não é ocioso lembrar que a PEC 84/2015 protege, mas não impede totalmente as irresponsabilidades. Enquanto o Senado aprovava a mencionada PEC, a Câmara dos Deputados dava andamento a outra proposta de emenda, que cria um piso nacional para policiais e bombeiros (PEC 446/2009). Por ironia, o autor dessa PEC é o atual presidente do Senado, Renan Calheiros. Pouco adiantaria que a Constituição impeça leis que criam despesas sem receitas, se o Congresso ficar criando despesas sem receitas por emendas à Constituição.

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