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Opinião|CPMF de 0,2% ou 0,38%? Não!

Atualização:

Na terça-feira li notícias de mais um ajuste do ajuste fiscal que o governo federal procura fazer e soube que de novo ele quer ressuscitar a defunta e mal-assombrada Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a CPMF. A ameaça anterior foi há poucas semanas, num contexto em que a CPMF ressuscitaria de jaleco branco, a pretexto de gerar recursos para a área da saúde, quando de fato o propósito era tapar um pedaço do enorme buraco cavado pelo governo Dilma nas contas públicas federais.

Então foi dito que a CPMF seria à taxa antiga, de 0,38%, com parcela ínfima para Estados e municípios. Estes também estão no sufoco fiscal e têm limites para endividamento, que corre solto no governo federal. Agora se fala de uma alíquota de 0,20%, “provisória” por quatro anos. O dinheiro iria para a Previdência, onde há um buraco enorme e crescente que o governo federal reluta em atacar via despesas, como pôr um limite de idade restritivo para as aposentadorias e cortar ainda mais o acesso a privilegiadas pensões por morte.

E há outra ameaça em cima dessa nova ameaça. Conforme este jornal na mesma data, para “(...) lideranças do Congresso é inviável aprovar a volta da CPMF sem dividir a arrecadação com Estados e municípios”. Traduzindo: pode vir uma CPF superior a 0,20%. Mais: “O Palácio do Planalto elaborou uma estratégia para diminuir as resistências do Congresso ao retorno da CPMF: estimular governadores e prefeitos a pressionarem as bancadas da Câmara e do Senado a aumentar a alíquota de 0,20% (...) para, assim, conseguirem ficar com parte do total arrecadado. (...) a alíquota do tributo chegaria ao valor que tinha quando abolido, 0,38%”. Prossegue o jornal: “A estratégia começou a ser colocada em prática já na noite de ontem (acrescento: segunda-feira, o dia da anunciada ressurreição da CPMF), quando a presidente Dilma jantou com 17 governadores para pedir apoio às medidas”.

Onde está a novíssima ameaça? Se governadores se mobilizarem, poderá vir não apenas uma alíquota maior, que alcançaria 0,38%, como também se consolidaria a clientela politicamente muito poderosa desses governadores em busca de prolongar ou tornar definitiva a “contribuição”. A reportagem não esclareceu como no citado jantar esse prato da CPMF ampliada foi recebido. O certo é que seria muito indigesto para os cidadãos que pagariam a conta.

À alíquota de 0,20% a estimativa de arrecadação é de R$ 32 bilhões ou R$ 32.000.000.000, por ano. Coloco todos esses algarismos para realçar o enorme tamanho da coisa. Desses números se pode inferir que ela incidiria sobre uma movimentação financeira de R$ 16 trilhões, ou R$ 16.000.000.000.000, o que equivale a cerca de três vezes o produto interno bruto (PIB) brasileiro.

Assim, qualquer alíquota da CPMF subestima a incidência do tributo sobre o PIB. Recorde-se que ela incidiria em cascata ao longo das cadeias produtivas. Por exemplo, produtores de autopeças pagariam CPMF ao gastar o dinheiro recebido das montadoras e estas, a CPMF sobre o que desembolsassem após receber o valor dos veículos faturados. Assalariados desses dois elos da cadeia produtiva do setor pagariam CPMF ao sacar o dinheiro recebido dos seus empregadores, que ao ser pago também sofreria a incidência do mesmo imposto. O PIB, por sua vez, é calculado só pelo valor adicionado em cada etapa da cadeia produtiva, ou pelo valor final dos bens e serviços produzidos.

A partir dos valores citados, em números aproximados se pode concluir que, se aprovada, a carga tributária da CPMF de 0,20% seria de 0,6% do PIB; e se chegasse a 0,38% essa carga seria de 1,2% desse mesmo produto. Em qualquer caso, um aumento importante em cima de uma carga tributária total que já está perto de 35% do PIB. Mesmo se a CPMF ficasse em 0,6% do PIB, não seria o “aumentozinho” que o governo federal vem alardeando. É um valor próximo daquele do programa Bolsa Família, que ele vê como um programão.

A carga total já se revela insuportável, pois prejudica o desenvolvimento econômico do Brasil. Entre outras razões, porque o governo retira muito de quem investe bem mais do que ele na ampliação da capacidade produtiva nacional e porque com essa carga pesada o País perde competitividade no comércio exterior.

Apesar dessa enorme tributação, o governo, em particular o federal, continua se endividando cada vez mais. Este ano o verdadeiro déficit do governo federal, o fiscal, nominal ou final, aquele que vira dívida adicional, estava em torno de 7,8% (!) do PIB até julho. Digo ser o verdadeiro déficit porque é enganoso o tal resultado primário proeminente no noticiário. Ele ignora os juros da dívida e outros encargos financeiros. Esse resultado costumava ser positivo. Desde o ano passado adentrou por números negativos, mas estes muitíssimo menores que os do déficit que realmente interessa.

Muitos economistas argumentam que aumentar a carga tributária é inevitável diante das circunstâncias financeiras com que se depara o governo federal. Também já fui favorável a isso noutras circunstâncias carentes de ajuste fiscal. Mas, desiludido, perdi a paciência. O problema é que elas se repetem e o resultado tem sido o de dar cabresto mais longo a cavalares e insaciáveis apetites fiscais, com o que a carga chegou a esse nível insuportável. E continua aumentando.

O que se vê nas contas federais dá razão a Ronald Reagan, ex-presidente dos EUA. “O governo”, disse ele, “comporta-se como um bebê: um tubo digestivo sem qualquer responsabilidade nas suas duas pontas.” Na última vez que a recebi, veio pela internet com uma charge mostrando um bebê de boca escancarada engolindo enormes cifrões. Na outra ponta, uma fralda bem cheia.

Enfim, a esse bebê já muito obeso e sujão não se pode ampliar a alimentação.

* ROBERTOMACEDO É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR