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Creches - o fato e a versão

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Por Redação
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O compromisso mais forte com a versão - apresentada em cores favoráveis para impressionar a plateia - do que com a dura realidade dos fatos tem sido uma característica do governo Fernando Haddad. Um exemplo é o carnaval feito em torno das faixas exclusivas para ônibus e das ciclovias que se multiplicam rapidamente, mas cujos resultados ficam muito distantes das promessas. No caso das creches, que agora veio à tona, a atual administração ultrapassou os limites dessa mágica, de tal forma que a tosca manipulação de dados não consegue convencer nem seus partidários que estariam dispostos a se deixar iludir. Incapaz de cumprir sua ambiciosa promessa nessa área - de 150 mil novas vagas -, a Prefeitura resolveu maquiar os números relativos às que foram efetivamente criadas na rede de educação infantil - creches e pré-escola. Em seu site de acompanhamento de metas, informa a criação de 40,9 mil vagas nos dois anos do atual governo, mas na verdade São Paulo ganhou apenas 33,5 mil novas matrículas, como se constata por meio de dados extraídos de relatórios da Secretaria Municipal da Educação. E tem mais. A Prefeitura afirma que cumpriu 44% da meta de 150 mil vagas, o que não corresponderia à verdade mesmo que fosse correto o número de 40,9 mil. Para isso, teriam de ter sido criadas 66 mil vagas. O número verdadeiro, 33,5 mil, corresponde a 22%. A distância entre o fato e a versão é, portanto, considerável. A rigor, mesmo que ela fosse pequena, seria inaceitável por uma questão de princípio, pois não se pode apresentar aos contribuintes, que pagam as contas, uma versão maquiada - para dizer o mínimo - da realidade. Para chegar a esse resultado cor-de-rosa e vendê-lo como real, o que fez o governo Haddad? O tamanho da rede de educação infantil e a sua expansão sempre foram calculados pelo número de matrículas, de crianças efetivamente atendidas. Para inflar os números, a Prefeitura mudou a fórmula. Como mostra reportagem do Estado, ela passou a computar vagas que não estariam de fato ocupadas, como aquelas em prédios ainda em obras, além de contar as de substituição de convênios como vagas novas. Ora, esses são casos em que crianças já atendidas são transferidas para outras instituições conveniadas. Apesar de se tratar de evidente manobra para apresentar a situação melhor do que é, ou seja, inexata, a Prefeitura mesmo pega em flagrante não se dá por achada. Insiste em defender seu novo - e conveniente - critério. Assim, a Secretaria Municipal da Educação afirma, em nota, que o número de novas matrículas é "diferente do número de vagas criadas", embora isso contrarie a forma pela qual historicamente são feitos esses cálculos. Alexandre Schneider, ex-secretário de Educação do governo de Gilberto Kassab, critica a posição adotada pela Prefeitura, lembrando que "todas as gestões cortam convênios e o importante é o número de crianças atendidas". A seu ver, "não é transparente falar em vagas e não em matrículas". Mas as críticas não partem apenas de integrantes do governo passado. Para um técnico como Salomão Ximenes, da organização Ação Educativa, novas vagas também não são as que já existiam na rede municipal ou as que foram realocadas. "O que a gente tem cobrado é que se cumpra a promessa de criação de 150 mil vagas novas até o fim desta gestão. Isso quer dizer que seriam vagas a mais que as existentes em 31 de dezembro de 2012 (antes da posse de Haddad)", afirma ele. O déficit de vagas na rede de creches é persistente, vem de longe e sempre foi alto. Um desafio e tanto que também os antecessores de Haddad não conseguiram vencer. Hoje existem 187 mil crianças na fila por vagas. Ninguém pode negar a dificuldade de resolver rapidamente esse problema. Mas não será maquiando estatísticas, com mudança esperta de critérios, que se avançará nessa direção. Ao contrário, fazendo isso, o governo Haddad só complica as coisas, porque, como se sabe, a mentira tem pernas curtas. E quem se entrega a tais mágicas corre o risco de perder a credibilidade.