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Crime à sombra do Estado

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Por Redação
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O retrato que o Ministério Público Estadual (MPE) traça do Primeiro Comando da Capital (PCC), depois de três anos e meio de investigações, mostra que ele está mais vivo e forte do que nunca. Uma prova de que o poder público - tanto o Estado de São Paulo, onde está sua base principal, como os outros 21 Estados onde tem suas ramificações - não consegue conter essa organização criminosa, que há 20 anos age dentro e fora dos presídios, apesar das periódicas e enfáticas declarações das autoridades da área de segurança pública de que ela foi desarticulada.O MPE fez um trabalho minucioso - com base em escutas telefônicas, documentos, depoimentos de testemunhas e informações sobre apreensões de drogas e armas - e concluiu que o PCC está presente não só em 22 Estados brasileiros, como em 2 países vizinhos (Paraguai e Bolívia). Controla 90% dos presídios paulistas, como mostra reportagem do Estado. A principal atividade do PCC é hoje o tráfico de drogas - principalmente a cocaína, vinda daqueles países -, atuando no atacado e no varejo, por meio de centenas de pontos de venda espalhados por todo o País.O faturamento do PCC é estimado em R$ 120 milhões por ano, o que o coloca entre as 1.150 maiores empresas do País, considerando-se o volume de vendas. São em média R$ 8 milhões por mês provenientes do tráfico e R$ 2 milhões de sua "loteria" e de contribuições de seus integrantes. Outros números levantados pelo MPE são igualmente impressionantes: 6 mil integrantes presos e 1,8 mil em liberdade em São Paulo e um total de 3.582, das duas categorias, em outros Estados; um arsenal de uma centena de fuzis e R$ 7 milhões em dinheiro vivo escondidos em partes iguais em sete imóveis comprados por meio de "laranjas". Tudo isso é gerido por uma sofisticada organização, cujos pontos principais - entre os quais um "conselho de administração", nos moldes dos existentes em grandes empresas - foram também levantados pela investigação do MPE. Uma particularidade do PCC deve ser sempre destacada - como a sua cúpula e a maior parte dos seus "militantes" estão presos, essa é, na prática, uma organização criminosa que funciona estando os seus chefes sob a proteção do Estado. É de dentro das penitenciárias que os líderes do PCC, além das ações ligadas ao tráfico, ordenam também assassinatos; planejam resgate de presos e atentados contra policiais e autoridades; convocam "tribunais" para julgar e executar quem sai da linha; e, agora, fazem também planos para se introduzir no meio político. Outro aspecto importante da ação do PCC, que merece estudo mais detalhado, é o papel que ele exerce na periferia das grandes cidades de São Paulo, a começar pela capital, onde impõe sua "lei". Para garantir a tranquilidade necessária ao bom andamento de seus "negócios", acabam com o crime desorganizado de seus concorrentes, com execuções sumárias. Essa é também uma forma de, a exemplo do que fazem as várias máfias, vender proteção - que é a paz imposta a ferro e fogo - à população dessas regiões, que paga ao PCC com a cumplicidade do silêncio sobre seus crimes. E é ainda apenas em seu próprio benefício que o PCC mantém a ordem nos presídios, nos quais inclusive proibiu o consumo de crack.Até quando o Estado assistirá a isso passivamente? Porque é isso o que acontece. Só essa passividade explica o fato de os líderes e os militantes do PCC, presos em penitenciárias chamadas ironicamente de "segurança máxima", continuarem a se comunicar por telefone celular para planejar suas ações criminosas. A dura realidade, à qual não se pode mais fechar os olhos, é que o PCC é um exemplo de falência do poder do Estado em todos os locais em que ele atua, ou seja, na maior parte do País, com destaque para São Paulo.É de esperar que também o Judiciário seja sensível ao esforço para conter o PCC. O MPE denunciou 175 acusados de integrar essa organização criminosa e pediu à Justiça que 32 presos - entre os quais está sua liderança - sejam submetidos, ao rigor do Regime Disciplinar Diferenciado, o que há muito já devia acontecer.