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Opinião|Crime não escolhe classe

Foto do author Carlos Alberto Di Franco
Atualização:

Engana-se quem pensa que tráfico de drogas é exclusividade dos morros, das favelas e das periferias excluídas. Não é de hoje que jovens de classe média e média alta frequentam o noticiário policial. Crimes, vandalismo, espancamento de prostitutas, incineração de mendigos, consumo e tráfico de drogas despertam indignação e perplexidade. O novo mapa do crime transita nos bares badalados, vive nos condomínios fechados, estuda em colégios e universidades da moda e desfibra o caráter no pântano de um consumismo descontrolado. Frequentemente, operações policiais prendem jovens de classe média vendendo ecstasy, LSD, cocaína, maconha. Segundo a polícia, eles fazem a ligação entre os traficantes e os vendedores de drogas no ambiente universitário.

O tráfico oferece a perspectiva do ganho fácil e do consumo assegurado. E a sensação de impunidade – rico não vai para a cadeia – completa o silogismo da juventude criminosa. A delinquência bem-nascida mobiliza policiais, psicólogos, pais e inúmeros especialistas. O fenômeno, aparentemente surpreendente, é o reflexo de uma cachoeira de equívocos e de uma montanha de omissões. O novo perfil da criminalidade é o resultado acabado da crise da família, da educação permissiva, do consumismo compulsivo e de setores do negócio do entretenimento que se empenham em apagar qualquer vestígio de normas ou valores.

Os pais da geração transgressora têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão. É comum que as pessoas se sintam atônitas quando descobrem que um filho consome drogas. Que dirá, então, quando vende. O que não se diz, no entanto, é que muitos lares se transformaram em pensões anônimas e vazias. Há, talvez, encontros casuais, mas não há família. O delito não é apenas o reflexo da falência da autoridade familiar. É, frequentemente, um grito de revolta. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais.

Alguns pais não suportam ser incomodados pelas necessidades dos filhos. Educar dá trabalho. E nem todos estão dispostos a assumir as consequências da paternidade. Tentam, então, suprir o vazio afetivo com carros, mesadas e presentes. Erro fatal. A demissão do exercício da paternidade sempre acaba apresentando sua fatura. A omissão da família está se traduzindo no assustador aumento da delinquência juvenil e no comprometimento, talvez irreversível, de parcelas significativas da nova geração.

Não é difícil de imaginar em que ambiente afetivo terão crescido os integrantes do tráfico classe alta. Artigos, crônicas e debates tentam explicar o fenômeno. Fala-se de tudo. Menos do óbvio: a brutal crise que machuca a família. É preciso ter a coragem de fazer o diagnóstico. Caso contrário, assistiremos a uma espiral de delinquência. É só uma questão de tempo.

Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações para os desvios comportamentais nos meandros das patologias. Podem ter razão. Mas nem sempre. Independentemente de eventuais problemas psíquicos, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: desumanização das relações familiares. A delinquência, último estágio da fratura social, é, frequentemente, o epílogo da falência da família.

Teorias politicamente corretas no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram a opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um perverso resultado. Uma legião de desajustados e de delinquentes, crescida à sombra do dogma da tolerância, está mostrando suas garras. Gastou-se muito tempo no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. O saldo é toda uma geração desorientada e vazia. A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm gerado uma onda de infratores e criminosos. A formação do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. É pena que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio: é preciso saber dizer não!

Impõe-se um choque de bom senso. O erro, independentemente dos argumentos da psicologia da tolerância, deve ser condenado e punido. Chegou para todos, sobretudo para os que temos uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública, a hora da verdade. É necessário ter a coragem de dar nome aos bois. Caso contrário, a delinquência enlouquecida será uma trágica rotina. Colheremos, indefesos, o amargo fruto que a nossa omissão ajudou a semear.

O consumismo desenfreado, tolerado e estimulado pelas famílias, produz uma geração sem limites. O desejo deve ser satisfeito sem intermediação do esforço e do sacrifício. As balizas éticas vão para o espaço. A posse das coisas justifica tudo. É uma juventude criada de costas para o trabalho. O fim da história não é nada bom.

A irresponsabilidade pragmática de alguns setores do negócio do entretenimento fecha o triângulo da delinquência bem-nascida. A exaltação do sucesso sem limites éticos e a consagração da impunidade, marca registrada de algumas novelas e programas de TV, têm colaborado para o crescimento dos desvios de caráter. Apoiados numa leitura equivocada do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas de TV exploram as paixões humanas. Ao subestimar a influência negativa da violência ficcional, levam adolescentes ao delírio em shows e programas que promovem uma sucessão de quadros desumanizadores e humilhantes.

Como já escrevi neste espaço opinativo, recuperação da família, educação da vontade, combate à impunidade e entretenimento de qualidade compõem a melhor receita para uma democracia civilizada.

*CARLOS ALBERTO DI FRANCO É JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR

Opinião por Carlos Alberto Di Franco

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