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Cuidado com as delações

De forma dramática, o País deu-se conta dos danos que podem ser ocasionados pela imprudência de homologar um acordo de delação mal feito

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Por Redação
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Ainda que com um imenso atraso, que custou caro ao País, o relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, começa a dar sinais de uma salutar mudança de posição em relação às delações premiadas. Segundo informou o jornal O Globo, o relator da Lava Jato no Supremo devolveu recentemente à Procuradoria-Geral da República (PGR) oito delações premiadas de executivos da empreiteira OAS, em razão de haver considerado as propostas excessivamente vantajosas aos delatores. Elas haviam sido redigidas, não é de estranhar, quando a PGR estava sob a batuta do sr. Rodrigo Janot.

Do recente ato do ministro Edson Fachin transpareceria uma melhor compreensão da responsabilidade do STF na homologação dos acordos. O papel da Suprema Corte não é apenas validar às cegas o que o Ministério Público lhe envia. Cabe à Justiça avaliar se a lei está sendo bem aplicada nos acordos de delação.

Trata-se de uma obviedade reconhecer o dever do STF de ponderar se as penas e as multas fixadas num acordo de colaboração premiada estão adequadas. Não é o Ministério Público que determina a pena e, portanto, não pode ser ele a ditar a última palavra sobre os termos de uma delação. No entanto, essa obviedade foi esquecida pelo ministro Edson Fachin e pelo plenário do Supremo no caso da delação da JBS, no primeiro semestre do ano passado.

Em maio de 2017, o ministro Edson Fachin homologou um acordo de colaboração premiada, elaborado pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que concedeu irrestrita imunidade penal aos delatores da JBS. Era o sonho de consumo de todo criminoso – o compromisso do Ministério Público de não apresentar denúncia contra os crimes delatados – entregue de bandeja a quem havia cometido e confessado muitos e graves crimes durante vários anos, sob a promessa, que depois não se concretizou, de apresentar uma prova cabal contra o presidente da República.

Como era natural, houve imediata resistência ao acordo de delação da JBS, pois mais se assemelhava a um conluio entre amigos. Não foi pequena, portanto, a surpresa da população ao ver, um mês depois, o plenário do STF ratificando o equívoco do ministro Edson Fachin. Na ocasião, a maioria dos ministros da Suprema Corte disse que o relator da Lava Jato havia agido bem, pois não caberia ao juiz que homologa uma delação interferir nos termos do acordo. Sua função seria apenas verificar a legalidade, a voluntariedade e a regularidade do acordo, bem como o seu posterior cumprimento por parte do colaborador.

Como se sabe, nem isso foi feito no caso da JBS. O acordo de delação extrapolou os limites legais, já que a lei proíbe a concessão do benefício da imunidade penal aos líderes de organização criminosa. Todo esse imbróglio gerou uma grave crise política e institucional, com efeitos desastrosos para a economia e a vida da população. Pronta para ir à votação no Congresso, a reforma da Previdência teve de esperar as idiossincrasias do sr. Janot.

De forma dramática, o País deu-se conta dos danos que podem ser ocasionados pela imprudência de homologar um acordo de delação mal feito. Agora, o ministro Edson Fachin sinaliza ter aprendido a lição. Segundo os envolvidos nas negociações das delações da OAS, o relator da Lava Jato no Supremo pediu que a PGR reveja, nas oito propostas de acordo rejeitadas por ele, uma cláusula que prevê imunidade para as pessoas físicas envolvidas em ações de improbidade administrativa.

Essa correção do papel do STF nos acordos de delação premiada também produz outra consequência: a revisão do poder do Ministério Público. Na interpretação anterior, os ministros do STF haviam alargado demasiadamente as competências da PGR na celebração do acordo, dando um indevido caráter de irrevogabilidade aos atos do Ministério Público, como se ele não estivesse sob a égide da lei. Tem-se agora, portanto, um resgate da normalidade republicana. Ninguém está acima da lei.