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Da arrogância à crise fiscal

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Por Redação
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Com a perspectiva de um buraco próximo de R$ 100 bilhões nas contas primárias, sem contar os juros, portanto, o Brasil se mantém entre os países com pior administração das finanças públicas – e assim permanecerá no próximo ano, segundo as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Enquanto os governos do mundo rico ainda batalhavam para vencer a crise e retomar o crescimento, a presidente Dilma Rousseff se permitia dar lições de política econômica a outros líderes do Grupo dos 20 (G-20). Hoje a economia mundial se recupera, embora lentamente, e melhora o balanço fiscal dos países desenvolvidos. No Brasil, o Produto Interno Bruto (PIB) continua minguando, na pior recessão nacional em mais de um quarto de século, e o vermelho se espalha pelas contas do setor público. No ano passado, o déficit nominal do governo, em todos os níveis, atingiu o equivalente a 10,3% do PIB, quase o triplo da média mundial (3,6%) e mais que o quíntuplo da média da zona do euro (2%). Neste ano, se der tudo certo, o déficit nominal brasileiro diminuirá para 8,7% do PIB, enquanto a média da zona do euro passará a 1,5%, segundo o FMI. A ressalva “se der tudo certo” é relevante. O déficit será menor que o de 2015 se o governo conseguir executar o programa anunciado. O sucesso dependerá tanto de um moderado controle das despesas como de um aumento de impostos ainda incerto. Pressionado para gastar e sem apoio até para atualizar a meta fiscal, o Executivo tem pouco apoio político para avançar em qualquer plano de estabilização fiscal. O governo já abandonou o moderado programa de ajuste anunciado no começo do ano. Além disso, anunciou medidas de médio prazo, como a fixação de um teto plurianual para aumento da despesa e a intenção de reforma da Previdência. Nada disso passou pelo Congresso. Nem mesmo a proposta de meta fiscal flexível, com espaço para um déficit de R$ 96,65 bilhões, foi aprovada. A meta oficial continua sendo um superávit primário de R$ 24 bilhões, pequeno para as necessidades de ajuste e incompatível com as condições políticas da presidente. Sem tratar desses detalhes, o relatório do FMI sobre o panorama das contas públicas contém, nessa passagem, uma caridosa, vaga e um tanto fantasiosa referência ao rebaixamento da meta fiscal. A meta foi reduzida, segundo uma nota de pé de página, para “refletir receitas menores, maiores gastos de investimento e custos crescentes de saúde”. Pelas contas do FMI, a dívida bruta do governo geral, no Brasil, chegou a 73,7% do PIB no ano passado e deve atingir 76,3% neste ano e 80,5% no próximo. Calculada pelo critério do Fundo, a dívida inclui os papéis do Tesouro mantidos na carteira do Banco Central (BC). As contas do governo brasileiro excluem esse valor. A dívida bruta do governo brasileiro é proporcionalmente menor que a média dos países avançados (105,8% do PIB em 2015 e projeções de 107,6% em 2016 e 107% em 2017). Mas a classificação do crédito soberano dos países avançados é muito melhor que a do Brasil. Mesmo antes do rebaixamento da nota brasileira para o nível especulativo, os Tesouros do mundo rico pagavam juros muito menores a seus credores. A comparação mais significativa, no entanto, é com os padrões de endividamento das economias emergentes e de renda média. Os governos desses países deviam em média, no ano passado, 45,4% do PIB e atingirão 49% em 2017. O FMI aponta uma tendência de maior endividamento de todos os países por causa da piora do cenário internacional, com perspectivas de crescimento mais incertas e riscos maiores de turbulências. A apresentação desses riscos ocupa boa parte do Monitor Fiscal, divulgado ontem. Mas boa parte dos governos dispõe de espaço para políticas de acomodação e de defesa contra as adversidades. O cenário brasileiro, no entanto, combina uma recessão funda e prolongada, inflação muito alta e finanças públicas em mau estado – sem espaço, portanto, para afrouxamento monetário ou fiscal. É a herança que Dilma deixará.