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De olho nos juros americanos

Um aperto na política monetária da maior economia do mundo afetará os mercados cambiais

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Por Redação
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Enquanto avançava no Senado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, analistas e operadores do mercado de capitais acompanhavam, na manhã de sexta-feira, uma conferência de economistas e dirigentes de bancos centrais em Jackson Hole, no Estado norte-americano de Wyoming. A grande atração seria o discurso da presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Janet Yellen. Ela poderia dar pistas sobre o próximo aumento de juros pelo Fed. Autoridades brasileiras também deveriam estar acompanhando. Um aperto na política monetária da maior economia do mundo afetará os mercados cambiais, levando a uma provável valorização do dólar, e poderá produzir desvios nos fluxos de capital, atraindo muito dinheiro para títulos americanos. Os maiores perdedores serão quase certamente os emergentes.

Mas os mercados devem continuar sujeitos à ansiedade nas próximas semanas, talvez nos próximos meses. A incerteza quanto ao momento da mudança foi mantida, embora o discurso tenha mostrado uma avaliação positiva das condições econômicas e uma expectativa de inflação em alta, na direção de 2% nos próximos anos.

Os argumentos a favor de uma alta de juros ficaram mais fortes nos últimos meses, disse Yellen. A economia americana continua a expandir-se, puxada por “um sólido crescimento nas despesas das famílias”, afirmou a dirigente. Os investimentos empresariais continuam contidos e a exportação tem sido prejudicada pela valorização do dólar, ressalvou. Essa valorização encarece os produtos exportados.

Mas o crescimento, embora limitado, tem sido suficiente, acrescentou, para continuar melhorando o mercado de trabalho. Nos últimos três meses foram criados em média 190 mil empregos por mês (diferença entre contratações e demissões). Desde 2010, poderia ter acrescentado, 15 milhões de trabalhadores foram absorvidos pelo mercado.

Apesar dos sinais de atividade em expansão e de um aumento mais sensível dos preços, as decisões de política monetária na próxima reunião do Comitê de Mercado Aberto, nos dias 20 e 21 de setembro, ainda são incertas. Como sempre, disse Yellen, as ações serão definidas com base nos dados mais atuais, sem prefixação do curso da política monetária. Os juros básicos estão na faixa de 0,25% a 0,50% ao ano. Se forem mantidos em setembro, um aumento ainda será possível neste ano, porque ainda haverá reuniões em novembro e em dezembro.

Os brasileiros mais uma vez devem ter feito a triste comparação entre as condições do emprego no Brasil e nos Estados Unidos. Lá o desemprego tem ficado, há meses, em torno de 5% da força de trabalho. No mercado brasileiro a desocupação subiu seguidamente nos últimos três anos e alcançou 11,3% no segundo trimestre de 2016, com 11,6 milhões de pessoas em busca de oportunidade para ganhar a vida. Em julho, segundo o Ministério do Trabalho, mais 94 mil pessoas perderam postos com carteira assinada.

Ainda preso à combinação de economia em marcha lenta e inflação elevada, o Brasil continua especialmente vulnerável a quaisquer mudanças na política monetária dos Estados Unidos e no mercado financeiro internacional.

Um aumento de juros, com maior aperto nas condições de financiamento, poderá tanto pressionar a inflação brasileira (pelo encarecimento das importações) como dificultar o acesso ao crédito externo. As condições de acesso já têm piorado. Embora dificultando o controle da inflação, o dólar mais caro poderá proporcionar pelo menos um benefício, barateando os produtos brasileiros no exterior e facilitando as exportações. Falta saber se as empresas estarão preparadas para aproveitar amplamente essa oportunidade. Além disso, várias companhias estão endividadas em moeda estrangeira e uma desvalorização do real aumentará a pressão sobre seus balanços. Não há caminho fácil para o País. Mas o horizonte ficará mais claro se a mudança de governo for confirmada nos próximos dias.