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‘Debate’ como eles gostam

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Por Redação
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A audiência pública realizada na Câmara dos Deputados na terça-feira passada para debater a situação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) mostrou bem o que a companheirada entende por “debate”: um encontro entre amigos com o objetivo único de chancelar a doutrina do partido ao qual pertencem ou com o qual simpatizam. Nada mais apropriado para uma reunião destinada a discutir a “comunicação pública” – expressão que, na boca da companheirada petista, ganha um significado muito peculiar: trata-se da comunicação com o objetivo exclusivo de espalhar o evangelho do PT.

A EBC está na berlinda desde que o presidente em exercício Michel Temer decidiu desmontar o aparelho petista que dominava a empresa. Logo que assumiu, Temer demitiu da direção da EBC o jornalista Ricardo Melo, que Dilma Rousseff nomeara poucos dias antes de ser afastada da Presidência, numa clara manobra da petista para criar um enclave no governo Temer. Assim, a tropa de choque dilmista teria à sua disposição uma plataforma de comunicação para defender a tese do “golpe”. Tanto isso é verdade que Ricardo Melo, assim que voltou à direção da EBC por força de uma liminar da Justiça, mandou a emissora entrevistar Dilma e ordenou que os veículos da empresa voltassem a tratá-la como “presidenta”.

Esse episódio ilustra o caráter privado da EBC, contrariando o que prometiam seus idealizadores nos idos de 2007, quando a empresa foi criada por ordem do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A EBC deveria ser uma empresa de comunicação pública, a serviço dos cidadãos e voltada para a produção de programas que estimulassem a cultura e ousassem no formato, sem compromissos comerciais e muito menos políticos. Na prática, tornou-se um cabide de empregos para jornalistas amigos do governo petista, que em troca transformaram a EBC em porta-voz do partido.

Isso ficou claro no “debate” promovido pelos apaniguados do PT na Câmara a título de defender a EBC. No jogral ensaiado pela turma, o alvo foi o já surrado “monopólio da radiodifusão comercial”, ao qual a EBC seria o heroico contraponto. “Quem se opõe à construção de uma comunicação pública forte são aqueles que detêm o monopólio da circulação das notícias e das ideias, do discurso sobre a nossa sociedade”, disse Renata Mielli, coordenadora de um tal Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. Como se sabe, “democratização da comunicação” é um eufemismo para o ataque à imprensa livre, que os petistas desde sempre enxergam como instrumentos de poder das “elites”. Nesse caso, o papel da EBC é claríssimo: funcionar como a TV do PT nessa batalha de comunicação, torrando dinheiro público, é claro, pois os petistas não sabem atuar de outra maneira.

Assim, quando a presidente do Conselho Curador da EBC, Rita Freire, disse no “debate” na Câmara que “nós não vamos deixar que toquem na EBC”, ela vocalizou o pensamento dos que se julgam donos da empresa. Em outra ocasião, quando Temer tomou a decisão de mexer na EBC, Rita disse que era preciso “urgentemente” desvincular a empresa da Presidência da República. De fato, essa é uma das patologias congênitas da EBC: ela foi constituída para ser controlada por Lula. O curioso é que somente agora, quando a Presidência não é mais do PT, o Conselho Curador se preocupou com esse problema.

Mas é claro que não se pode cobrar coerência ou racionalidade de quem está defendendo o sequestro do Estado por um partido que se considera o único porta-voz legítimo de todas as minorias e defensor dos direitos do povo. “Onde o índio, o coletivo de mulheres, os LGBTs, o movimento sem-teto e outros tantos teriam espaço?”, perguntou Ricardo Melo, presidente da EBC, que em seguida arrematou: “É isso o que irrita o governo que está aí. O que está acontecendo é, na verdade, não só um desmonte da empresa de comunicação pública, mas um ataque político à democracia”. Exótica essa noção de democracia, segundo a qual é legítimo que o dinheiro público financie a difusão do pensamento único.