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Decisão equivocada

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Por Redação
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Acolhendo uma ação civil pública impetrada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o juiz Valentino de Andrade, da 10.ª Vara da Fazenda Pública da Capital, concedeu liminar proibindo a Polícia Militar (PM) de usar balas de borracha. Também determinou que sprays de pimenta e gás lacrimogêneo sejam usados só em casos extremos. E fixou o prazo de 30 dias para que a corporação apresente um plano de como atuará para conter manifestações de protesto. Se não cumprir o prazo, ela terá de pagar uma multa diária de R$ 100 mil.Pela decisão, o plano terá de detalhar as situações em que os manifestantes poderão ser dispersados e definir os oficiais que terão competência para ordenar a dispersão. "Tais medidas buscam apenas garantir o legítimo exercício do direito fundamental de reunião, em sua convivência com o dever do Poder Público de garantir a ordem pública", disse o juiz.Por limitar a ação da PM nas manifestações e desprezar a legislação que trata da matéria, a liminar causou perplexidade nos meios jurídicos. Ao manifestar-se no processo, o promotor Saad Mazloum afirmou que "não se pode admitir que, a partir de situações excepcionais, sejam padronizadas e burocratizadas as ações da PM". O procurador-geral do Estado, Elival Ramos, afirmou que Defensoria Pública não tem competência legal para propor esse tipo de ação e que o juiz teria exorbitado ao acolhê-la. O secretário de Segurança Pública, Fernando Grella, disse que a PM "atua dentro dos limites da lei e segundo padrões reconhecidos internacionalmente".Criada pela Constituição de 1988 e destinada em São Paulo a substituir a antiga Procuradoria de Assistência Judiciária, a Defensoria Pública tem a função de atender cidadãos pobres que não têm condição de pagar advogados - ela não surgiu para fazer política, a pretexto de defender os chamados interesses difusos. O órgão também não "compartilha" prerrogativas com o Ministério Público - como afirmou, equivocadamente, o juiz da 10.ª Vara da Fazenda Pública. Além disso, um magistrado de primeira instância não pode interferir na formulação e execução de políticas de segurança que, pela Constituição, são de responsabilidade do Executivo. E, privilegiando argumentos políticos em detrimento do direito positivo, operadores jurídicos não podem fazer tábula rasa da manutenção e preservação dos patrimônios públicos e privados, sob a alegação de que protestos de rua são um "direito de ação coletiva".Nos protestos de 2013, a PM não soube agir de forma eficiente, surpreendida que foi pelo grande número de pessoas nos protestos. Mas isso não significa que suas atribuições funcionais possam ser limitadas pela primeira instância da Justiça.No ano passado, os movimentos Black Block, Anonymous e demais grupos e "coletivos" não exerceram a liberdade de manifestação de opinião. A pretexto de combater "símbolos do capitalismo", recorreram à depredação e ao vandalismo - condutas tipificadas como delitos pelo Código Penal. Também não exerceram qualquer direito fundamental quando bloquearam o trânsito e queimaram ônibus, transformando uma cidade de 10 milhões de habitantes em refém.O juiz da 10.ª Vara da Fazenda Pública desprezou esses fatos quando alegou que a questão suscitada pela Defensoria Pública envolveria "dois direitos colidentes: o direito de reunião e o direito do Estado de agir para a garantia da ordem pública". Na realidade, essa colisão não existe, pois a Constituição é clara. Mais do que um direito, é dever precípuo do Estado garantir a segurança da sociedade. Por seu lado, os manifestantes têm a obrigação de respeitar a lei, por mais nobres que considerem suas causas e protestos. No Estado de Direito, os fins não justificam os meios.Ao afirmar que sua decisão harmonizou "direitos em colisão", com base num "juízo de ponderação", o juiz da 10.ª Vara da Fazenda Pública confundiu alhos com bugalhos, desprezando regras elementares de hermenêutica jurídica. Se sua liminar não for cassada, a PM terá dificuldades para agir e badernas e truculências travestidas de "manifestações democráticas" comprometerão a paz social, a ordem pública e a segurança do direito.