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Deplorável recuo

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Por Redação
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O caráter ainda provisório da Presidência de Michel Temer reduz seu poder para enfrentar as pressões no Congresso, obrigando-o a recuar de decisões que pareciam firmes. Some-se o fato de que vários integrantes de sua base não sabem se amanhã estarão na tribuna ou na cadeia e tem-se um cenário de grande fragilidade, do qual se aproveitam os oportunistas. É claro que Temer montou um governo e sua base tendo como objetivo constituir no Congresso uma maioria capaz de aprovar as medidas impopulares que a crise impõe. Por isso mesmo, é incompreensível que essa mesma base exerça sobre o presidente pressões que o obrigam a ziguezaguear na condução do governo.

São desanimadoras as notícias de que, para sua conveniência, a base do governo minou o projeto destinado a moralizar as nomeações para a direção de estatais. A iniciativa, considerada prioritária por Temer, sinalizaria sua disposição de romper com práticas que tantos dissabores causaram ao País – o fisiologismo, do qual o PMDB de Temer foi um dos beneficiados, e a transformação da estrutura do Estado em butim.

A decepção foi ampliada porque o próprio presidente em exercício demonstrou a intenção de dar caráter técnico ao preenchimento de vagas nas estatais. Há uma semana, Temer convocou uma coletiva de imprensa para anunciar que estava suspendendo as indicações políticas para as estatais até que fosse aprovada a lei cuja intenção era limitar as nomeações a pessoas “com alta qualificação técnica”.

Não seria desprezível o efeito moralizador dessa medida. Tratava-se de enfrentar um dos grandes males nacionais – o padrão do toma lá da cá que há anos norteia a relação entre o governo e o Congresso, elevado à categoria de método pelo PT e seus comparsas.

No entanto, na hora de votar o projeto, a liderança do governo vergou: aceitou negociar mudanças que na prática liberam a nomeação de pessoas com atuação partidária. O texto que havia sido aprovado no Senado vetava a indicação de quem, nos três anos anteriores, tivesse tido alguma participação na direção de partidos políticos ou em campanhas eleitorais. Agora, basta que os indicados deixem suas funções políticas antes de assumir os cargos.

“O fato de ser diretor de um partido ou líder sindical o desqualifica para que possa exercer o cargo? Não”, disse o relator do texto, deputado Arthur Maia (PPS-BA). É uma falsa questão. Não se trata de questionar a qualificação de quem quer que seja, e sim de impedir que cargos em estatais sejam usados pelo governo para obter apoio político.

O relator também diminuiu de 25% para 20% a participação obrigatória de membros independentes nos conselhos de administração das estatais, ampliando a margem para que os interesses políticos se acomodem. No entanto, houve até quem considerasse excessivos os 20%. Foi o caso do deputado Davidson Magalhães (PCdoB-BA), líder da Frente Parlamentar em Defesa da Petrobrás. Segundo o deputado, o limite para a nomeação de ministros e outros funcionários do governo para os conselhos das estatais restringe a atuação do Estado nas empresas das quais é acionista majoritário. “A Caixa, por exemplo, tem uma função social. Ela pode ser analisada, no ponto de vista de rentabilidade, como um banco privado? Não pode”, declarou Magalhães. Mas essa também é uma falsa questão que, levada a sério, justificaria qualquer descalabro na gestão do banco, desde que praticado em nome do “social”.

Eis aí como a Lei de Responsabilidade das Estatais mexe com interesses arraigados no Congresso, seja de partidos que nasceram e só existem para auferir vantagens pecuniárias, seja de corporações que só enxergam no Estado a teta que as amamenta. O simples fato de que o governo tenha aceitado fazer concessões que, na prática, ferem o espírito saneador do projeto é suficiente para duvidar de seu empenho para enfrentar o fisiologismo e proteger as estatais da rapinagem.

É contra essa cultura que se esperava que Temer se insurgisse, mas, enquanto não é confirmado no cargo de presidente, parece que a tarefa está acima de suas possibilidades.