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Desgoverno em pacote

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Por Redação
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Incompetência, mediocridade e indigência política recheiam o pacote de R$ 64,9 bilhões apresentado pelo governo em mais uma encenação de esforço para arrumar suas contas. Não há nada sério nesse conjunto de ações improvisadas para consertar um déficit previsto de R$ 30,5 bilhões e conseguir alguma pequena sobra, no próximo ano, para pagar parte dos juros. Na melhor hipótese, se houver um extraordinário apoio parlamentar e se as projeções econômicas mais otimistas se confirmarem, a presidente conseguirá fechar o balanço de 2016 sem um novo fiasco. Mas nenhum desajuste maior terá sido eliminado, nenhuma reforma terá sido iniciada e o Brasil continuará no atoleiro do atraso. Pior que isso: nem as medidas de curto prazo denotam alguma ousadia.

Nenhuma palavra foi dita sobre a redução efetiva de cargos de livre nomeação. Diminuição de postos de confiança, só no caso de fechamento de Ministérios, com a pífia economia de R$ 200 milhões. “Reforma administrativa” foi a expressão usada, de forma obviamente abusiva, na apresentação desse item. A redução total do gasto com custeio administrativo ficou em modestíssimos R$ 2 bilhões.

Em relação à folha de pessoal, nada além de duas medidas muito tímidas. Concursos foram suspensos, com efeito naturalmente limitado a um prazo muito curto. O reajuste negociado ou em negociação com servidores foi mantido, mas com pagamento a partir de agosto, com sete meses de atraso. Isso resultará numa economia de R$ 7 bilhões. Poderia ser mais que o dobro, se a presidente Dilma Rousseff tivesse coragem e liderança para propor algo mais sério.

Por que não? Mesmo sem aumento, os funcionários continuariam com o posto e o salário garantidos. Enquanto isso, os trabalhadores do setor privado continuarão perdendo o emprego e os meios de sustento por causa da recessão. Continuarão pagando pela irresponsabilidade e pela incompetência de um governo sem coragem de enfrentar os problemas. Além disso, terão de pagar mais tributos para sustentar um governo perdulário.

Quase dois terços – 62,7% – do pacote recém-lançado são compostos de medidas tributárias. O programa inclui redução de benefícios fiscais, aumentos de impostos e recriação do imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A alíquota proposta, de 0,2%, é bem menor que aquela em vigor (0,38%) quando a contribuição foi extinta, em 2007. Muito simples, eficiente e indolor, segundo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Alguns ingênuos concordam.

Há quem descreva essa monstruosidade como justa, porque atinge todos os cidadãos, sem privilégio e sem possibilidade de sonegação.

Só os muito desinformados ou desprovidos de qualquer percepção defendem de boa-fé essa perversão tributária. Todo consumidor já suporta uma porção de impostos e contribuições ao desembolsar o custo de uma compra. Ao realizar esse pagamento, no entanto, ele é onerado mais uma vez simplesmente por liquidar sua conta. É como pagar pedágio pelo uso de uma estrada e ainda pagar algo mais pela abertura da cancela. Além disso, a CPMF onera de forma repetitiva a cadeia de produção e circulação de bens e serviços, pervertendo um sistema tributário já muito defeituoso.

Segundo o ministro da Fazenda, o Executivo proporá a recriação da CPMF por mais quatro anos e deixará para o sucessor a decisão de extingui-la ou preservá-la. Governadores – faltou dizer – ainda pressionarão o poder central para receber uma parte da receita. Nesse caso, por que não propor uma alíquota maior?

Nenhum benefício de longo alcance resultará de mais um péssimo pacote patrocinado pela presidente Dilma Rousseff. Mas poderão restar malefícios duradouros. A piora da tributação será apenas um deles. Sem solução à vista, os problemas estruturais do setor público vão continuar travando o crescimento e agravando a desindustrialização do País. A mancha na biografia do ministro Levy será só um detalhe.