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Desigualdade insustentável

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Por Redação
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O pagamento de 1 milhão de aposentadorias e pensões do setor público gera maior déficit ao governo federal do que o pagamento de outros 24 milhões de aposentadorias e benefícios do setor privado. Tamanha desigualdade voltou a vir à tona por ocasião da auditoria na área de Previdência Social feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em 2013, a previdência do setor público teve um déficit de R$ 62,7 milhões ante um déficit da previdência do setor privado de R$ 49,9 bilhões.Já comum para outras áreas - saúde, educação, cultura, segurança pública, assistência social e pessoal -, foi a primeira vez que o TCU fez um relatório sistêmico na área de previdência social, reunindo os três regimes existentes no País: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e o Regime de Previdência Complementar. Se o objetivo do estudo era oferecer ao Congresso Nacional um panorama sobre o tema, os números apresentados preocupam. Entre 2009 e 2013, as despesas totais com pensões e aposentadorias subiram de R$ 291 bilhões para R$ 446 bilhões, numa taxa de crescimento de 11% ao ano. No mesmo período, a inflação média no País foi de 6% anuais. O patamar de despesas do ano passado equivale a 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). É uma conta que vem saindo cada vez mais cara, e, dado o tamanho do aumento dos gastos com a previdência nesses quatro anos, nota-se que não é apenas causado pela mudança do perfil demográfico brasileiro. O envelhecimento da população agrava o problema previdenciário, mas não é a única causa.Essa situação fez com que o relator do processo, Aroldo Cedraz, não amainasse o tom ao apresentar o estudo. "Estamos perto do descontrole", afirmou. "Entre 2020 e 2030, com a inversão da pirâmide etária, teremos uma situação insustentável", avaliou Cedraz, eleito para presidir o TCU no próximo biênio.No regime dos servidores públicos, que abrange 671 mil civis, o déficit foi de R$ 39,9 bilhões no ano passado. Já na previdência dos militares, com 294 mil pessoas atendidas, o déficit alcançou a cifra de R$ 22,8 bilhões. A soma desses valores supera com folga o déficit - também não pequeno, há de se reconhecer - do Regime Geral de Previdência Social (R$ 49,9 bilhões), coordenado pelo INSS e que abrange o setor privado.Com um déficit desse tamanho e nessa perigosa trajetória de crescimento, o TCU requereu à Casa Civil um plano de ação contra o aumento dos gastos previdenciários. Pela ordem expedida pelo tribunal de controle, o Palácio do Planalto terá 12 meses para apresentar um plano "visando à promoção de mudanças estruturais e paramétricas necessárias à mitigação dos riscos apontados".Fez bem o TCU ao solicitar o plano, pois o governo federal tem sido parco em ações que enfrentem seriamente o problema. A Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), criada em 2012 na expectativa de conter a disparada de gastos no setor público, não deslanchou. Até dezembro de 2013, o fundo tinha apenas 2.233 participantes. Por esses dados, até o momento, nada indica que a Funpresp vá ter capacidade real de aliviar um problema que a cada ano só vem majorando.Ter uma situação previdenciária perigosa não é um privilégio nacional. Inúmeros países vivenciam-na há mais de uma década e enfrentá-la a contento sempre é uma das mais árduas tarefas políticas da atualidade. Por essa mesma razão infere-se que o Brasil não pode desperdiçar o momento atual para debater sem populismos a questão previdenciária. Especialmente agora, após as eleições. Deixar para o meio ou para o fim do mandato presidencial a proposta de mudanças no campo previdenciário é declarar-se derrotado. E a situação apontada pelo TCU exige responsabilidade, e não meras encenações.Também não seria de todo mal que se pudesse diminuir essa abissal desigualdade que continua existindo entre os brasileiros que trabalham sob o regime da CLT e os brasileiros servidores públicos e militares. Não pode ser boa coisa para o País tamanha diferença.