Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Desserviços à democracia

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

A reforma política em discussão no Congresso Nacional tem servido mais a interesses nem sempre louváveis do que a promover um efetivo aprimoramento da organização partidária e do sistema eleitoral. Do amplo elenco de propostas que compõem o pacote, das quais boa parte já foi rejeitada, duas em particular revelam a falta de coerência e de genuíno espírito democrático que tem presidido a discussão e a votação dessas propostas pelos parlamentares: a cláusula de barreira e a coincidência das eleições.

A cláusula de barreira, também conhecida como cláusula de desempenho, é uma norma que cria condições mínimas para que uma legenda partidária possa desfrutar de benefícios legais como a participação no Fundo Partidário e no chamado horário gratuito de propaganda na mídia eletrônica. O objetivo principal é impedir a proliferação indiscriminada de pequenos partidos sem representação significativa. Há hoje no País 32 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos quais 28 têm representantes no Congresso Nacional.

Embora num sistema democrático seja normal e desejável a existência de tantos partidos políticos quantos os cidadãos julgarem necessários, os benefícios que o Estado oferece a essas legendas para viabilizar sua existência devem ser distribuídos proporcionalmente à representatividade de cada uma. Todos os 32 partidos têm acesso ao Fundo Partidário e à veiculação gratuita de propaganda, benefícios aos quais terão acesso também as cerca de duas dezenas de novas legendas cujos pedidos de registro mais cedo ou mais tarde serão deferidos pelo TSE. É uma aberração que salta aos olhos, principalmente quando se sabe que muitas dessas legendas servirão apenas aos interesses fisiológicos de seus “proprietários”.

A tramitação da reforma política está demonstrando que, acima de compromissos programáticos, os partidos “nanicos” não hesitam em barganhar seus poucos votos quando lhes convém. Votaram a favor das propostas do “distritão” e do financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas em troca da garantia que lhes foi oferecida – e cumprida – pelo PMDB de que seria mais adiante aprovada uma cláusula de barreira “light”: os partidos precisarão apenas eleger um deputado federal ou um senador para terem acesso ao Fundo Partidário e ao tempo no rádio e na TV. A propósito, um argumento curioso contra a proliferação de legendas partidárias foi oferecido dias atrás pelo presidente do TSE, ministro Dias Toffoli: é muito mais fácil criar um partido político do que propor uma lei de iniciativa popular. No primeiro caso bastam pouco mais de 500 mil assinaturas. Para apresentar um projeto de lei exigem-se subscrições correspondentes a 1% do eleitorado nacional, hoje 1,43 milhão.

Por sua vez, a proposta de coincidência das eleições, ainda não votada, permitiria aos brasileiros irem às urnas apenas de quatro em quatro anos – se mantida a atual duração dos mandatos – para votar, de uma só vez, em presidente da República, senador, deputado federal, governador de Estado, deputado estadual, prefeito e vereador. Não se fala que coincidência de eleições só se faz com uma indecente prorrogação de mandatos – pois, reduzi-los, quem há de? A novidade é proposta para reduzir os custos das campanhas eleitorais. Ilustra o modo pragmático de pensar de muitos parlamentares a manifestação do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) no relatório que apresentou em 2011, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado: “Nos termos da vigente legislação eleitoral, os candidatos, os partidos, o Estado e a sociedade são chamados, no curto período de dois anos, a repetir todo um procedimento de disputa que importa em despesas exorbitantes”.

Nada, a não ser a predominância do marketing nas campanhas eleitorais, obriga os partidos a arcarem com “despesas exorbitantes”. É uma opção que fazem por conta própria – aliás, por conta dos financiadores das campanhas, principalmente as corporações privadas, que fazem um investimento cujo retorno cobrarão mais tarde. O mais importante, porém, é que votar é um exercício democrático que tende a se aperfeiçoar com a prática. Quanto mais eleições, melhor para a democracia. Mas os parlamentares não parecem muito preocupados com isso.