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Dilma perdida em Quito

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Por Redação
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Incapaz de largar o vício de culpar os outros por seus fracassos, a presidente Dilma Rousseff resolveu associar a América Latina à crise econômica e política do Brasil. Além de tentar dividir os problemas brasileiros com a vizinhança, ela ainda fez profecias agourentas sobre a região. A habitual confusão do dilmês, com seu precário encadeamento de ideias e de palavras, marcou a peroração diante da imprensa depois de uma reunião, em Quito, com o presidente Rafael Correa. “Não haverá uma América Latina forte e temos muita consciência de que o Brasil não retoma sua capacidade de crescer, que o Brasil não consegue restabelecer suas condições sustentáveis de crescimento nesse novo contexto internacional, sem o crescimento dos demais países da América Latina, sem que os demais países da América Latina tenham também condições de se recuperar”, anunciou a presidente, procurando, mais uma vez, vincular o desastre brasileiro ao contexto internacional.

Se houve alguma novidade, foi a tentativa de atribuir ao Brasil e aos demais latino-americanos limitações comuns e um destino partilhado. Como de costume, houve uma distância ampla e indisfarçável entre o palavrório da presidente e os fatos – no caso, fatos apresentados há poucos dias nas projeções atualizadas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Apesar da insistência – e provavelmente dos desejos – da presidente brasileira, a maior parte dos demais latino-americanos tem sido capaz de cuidar com mais competência e mais sucesso de sua economia, sem tentar transferir responsabilidades ao resto do mundo.

Chile, Colômbia, México, Peru, Bolívia e Paraguai cresceram no ano passado e devem continuar em crescimento neste ano, enquanto o Brasil, já em recessão em 2015, deve enfrentar mais um ano de contração econômica. O Equador, especialmente dependente do preço do petróleo e também prejudicado pela valorização do dólar, moeda corrente no país, deve ter mau desempenho em 2016, mas sem afundar tanto quanto o Brasil.

Algumas economias da região, com destaque para as do Chile, da Colômbia, do Peru e do México, têm a vantagem de fundamentos razoavelmente sólidos, garantidos pela administração prudente das contas públicas e pela inflação em níveis baixos ou toleráveis. O contraste com o país da presidente Dilma Rousseff é ostensivo e até escandaloso.

As más perspectivas do Brasil, segundo a análise publicada pelo FMI na semana passada, têm sido determinadas por “uma combinação de fragilidades macroeconômicas decorrentes de um vagaroso ajuste interno e de um amplo escândalo com envolvimento do governo e de dirigentes empresariais”. Problemas políticos, segundo a mesma análise, paralisaram o investimento. A economia recuou 3,8% no ano passado e deve recuar mais 3,5% em 2016, segundo as últimas projeções, na maior contração observada desde 1981-83.

“Disfunções políticas continuam retardando a adoção de uma política fiscal crível para manter a dívida pública num rumo sustentável” e isso já determinou, segundo o relatório, o rebaixamento das notas de crédito do País e a alta dos custos de financiamento.

O resumo é perfeito, mas a presidente Dilma Rousseff se expressa como se desconhecesse todos esses fatos. A história recente da política econômica do Brasil é muito diferente daquela observada nas economias latino-americanas mais dinâmicas e mais seguras. A Venezuela continua atolada em erros, mas a Argentina dá sinais de mudança, também citados no relatório.

Mas a retórica da presidente Dilma Rousseff ainda justifica uma dúvida muito importante: se os latino-americanos são tão interdependentes quanto ela afirma, como poderá seu governo conduzir uma política de ajuste e de retomada do crescimento sem combinar o jogo com os demais? Muitos têm avançado sem esperar pelo Brasil. Estarão equivocados? Eis um bom tema para debate no Conselhão de empresários, sindicalistas e intelectuais ressuscitado pela presidente. Talvez esse fórum sirva para isso.