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Opinião|Dilma tenta vender um carro usado

Atualização:

O Brasil vive um impasse. De um lado, uma presidente convencida de que não pode perder o pouco apoio de que ainda dispõe para continuar no poder. E, por isso – a despeito da recém-anunciada intenção de corte nas despesas governamentais –, estruturalmente refratária à ideia de abrir mão dos excessos contidos nas vultosas dádivas com que premia os vários componentes de seu aparato de sustentação política. De outro lado, Congresso Nacional avesso às tentativas do Executivo de aumentar impostos, posição amplamente compartilhada pelos cidadãos conscientes de sua condição de contribuintes.

E no meio, uma proposta orçamentária com previsão de déficit que, além do mais, provocou a perda do grau de investimento do País pela Standard & Poor’s, a mais importante agência de avaliação de risco do mundo. Medida que deve ser seguida pelas congêneres Moody’s e Fitch. O que, entre outros problemas, pressiona e põe em risco as reservas internacionais do País, atualmente de US$ 370 bilhões. Consequências? Uma desvalorização ainda maior da moeda nacional, mais juros, mais inflação, mais desemprego.

Diante de tal cenário, foi o ministro Joaquim Levy instado a pedir aos brasileiros que aceitem pagar mais impostos para ajudar o Brasil. Uma decisão politicamente certa no governo errado. Decisão certa porque é isso mesmo que uma autoridade responsável pelas finanças de um país deve fazer em tais circunstâncias. E no governo errado porque o comando da Nação não se tem havido de forma a justificar tamanho desprendimento da cidadania. O ministro quer que o povo e as empresas entreguem nas mãos do governo uma parte maior de seus ganhos e patrimônio, para ajudar o País e a doutora Dilma a saírem do aperto. No fundo, o que o ministro pede é um crédito de confiança no governo.

Acontece que só se pode confiar em quem é confiável. Além disso, Joaquim Levy, como bom banqueiro, sabe muito bem que só merece crédito quem tem credibilidade, ou seja, pessoas e instituições em que se possa acreditar. A pergunta, então, que se impõe é se este governo (mesmo com a participação de Levy – demissível ad nutum) é confiável e tem credibilidade.

Confiança e credibilidade, tais os pressupostos básicos que se completam para que, nos limites da normalidade democrática, situações de crise possam ser enfrentadas pela união das forças políticas. Tal possibilidade, em tese, existe porque mais importante do que interesses regionais, setoriais, de classe ou corporativos, e suas respectivas representações, é o enfrentamento dos problemas que a todos afetam. Por isso não são raros, no mundo, os exemplos de acordos políticos de grande amplitude, como ou sem formação de governos de união nacional, para superação de crises políticas e econômicas.

O mais crucial no caso brasileiro é que o governo perdeu a confiança da Nação. A confiança é como taça de cristal: uma vez quebrada, quebrada está. Faz parte da entropia do universo. E sem confiança não há composição possível. “Não dá para acreditar nela”, ouve-se num dos corredores da Câmara dos Deputados. “Ela diz e se desdiz na mesma frase”, desabafa um senador na saída do plenário.

Há dias, no Aeroporto do Galeão, diante de alguns políticos, um pândego exibiu uma foto da presidente, e anunciou: “Essa senhora está vendendo um carro usado. Quem quer comprar?”. Uma sátira baseada na história da eleição presidencial norte-americana de 1960, quando os publicitários do Partido Democrata, aproveitando-se da fama de mentiroso do adversário, inundaram o país com uma foto de Nixon com a pergunta: você compraria um carro usado deste homem? O pândego do Galeão ouviu uma resposta unânime e uníssona. Além de algumas sugestões impróprias.

A cada dia fica mais evidente que o governo, por falta de credibilidade, perdeu as condições de bem governar. Até onde ensina a História, esta é uma situação irreversível. Tivéssemos por aqui um regime parlamentarista, o governo já teria caído. No presidencialismo brasileiro não existe previsão de mecanismos aplicáveis a tal situação. Há os que consideram que o melhor seria a pura e simples renúncia da presidente, com a posse do vice e formação de um governo de união nacional. Para os defensores da tese, qualquer outra opção para solucionar o impasse seria fortemente questionada por supostamente antidemocrática. O problema é que, a julgar pelo temperamento de Dilma, a probabilidade de renúncia é muito baixa, quase nula. Até porque ela – a exemplo de alguns de seus conselheiros – parece imaginar que o quadro político adverso ainda tem como ser revertido.

Por outro lado, a piora da atual situação tem um preço exorbitante que a população não merece – nem pode – pagar. Além do que, apesar do otimismo e dos acenos do Planalto, com o passar das semanas, a menos de um milagre, a pressão e a insatisfação popular tenderão a aumentar. E, com elas, o tamanho da conta. Por isso, à medida que o tempo flui, a tensão deve se elevar e a situação, se agravar. As lideranças políticas mais responsáveis sabem que não podem ficar de braços cruzados aguardando a ocorrência de algo novo, mágico, ou mais bombástico ainda do que tudo já noticiado, para que o imbróglio se desfaça por encanto. O que não quer dizer, contudo, que devam lançar-se em aventuras políticas irresponsáveis.

É fundamental afastar possíveis tentações, ou mesmo simples torcidas, vinculadas a um desfecho antidemocrático ou pouco democrático para a crise. Nesse contexto, cabe à classe política, com seu apurado instinto de sobrevivência, encontrar um meio constitucional de resolver essa encrenca. E se evitar o pior.

* MARCOS POGGI É ECONOMISTA E ESCRITOR