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Opinião|Dilma Vana e a entropia do universo

Atualização:

Ao ver as imagens do encontro do PMDB em que foi decidido o rompimento do partido com o governo, e sem saber que estava sendo gravado, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, exclamou: “Meu Deus!.” Em seguida perguntou: “Então, esta é a nossa alternativa de poder?”. Mais relevante do que a reação do ministro é o uso que vem sendo feito do vídeo que mostra seu desabafo. Com efeito, a indagação de Sua Excelência vem sendo aproveitada por apoiadores do governo para justificar, pela desqualificação da alternativa, o suposto equívoco do afastamento da presidente Dilma Vana Rousseff. Tal interpretação sugere um discutível dilema, uma coisa do tipo: já que tem tudo para não melhorar, ineptos por ineptos, corruptos por corruptos, não é melhor ficar com este governo, em vez de ingressar numa nova aventura? Procura-se salvar a presidente não pelos méritos do seu governo, mas por possíveis restrições ao substituto e a seu entorno. Sem cair na tentação de discutir princípios éticos ou, de forma mais contundente, de tecer considerações acerca da capacidade de produzir roubalheiras de um lado ou de outro, é mais proveitoso indagar e discutir o melhor caminho, entre as opções por enquanto disponíveis, para tirar o Brasil da triste situação em que se encontra. No plano da realidade objetiva, o problema é que com Dilma e o PT a economia não melhora. Só piora. É mais recessão, mais desemprego, mais desesperança. Os limites deste processo perverso se situam no campo do, até então, inimaginável. Urge buscar – se não um pacto de salvação nacional, ou uma coalizão que se aproxime de um projeto de união nacional –, ao menos, um governo apoiado por confortável maioria da sociedade e das forças políticas do País. Sem esse amparo – depurado de pelo menos parte do mais rasteiro e ignóbil fisiologismo – não há como resolver o atual impasse político. Caberia indagar se tal propósito seria viável sob a liderança de Dilma e do PT.  Ultimamente, a presidente tenta vender uma imagem de requalificação do governo, o que soa como rematada contrafação em face do perfil dos parceiros com quem o Planalto se está compondo. Aliás, há tempos a cidadania vem convivendo com uma overdose de falsidades e contrafações que chegariam às raias da comicidade, não se aproximassem algumas perigosamente das antessalas da tragédia. A última foi o recente voto de confiança pedido por Dilma ao País.  Como dar um voto de confiança à presidente? Só se pode dar voto de confiança a quem é confiável. A pergunta pertinente é se Dilma Vana Rousseff é confiável a ponto de merecer um voto de confiança da Nação. Ninguém, em sã consciência e de boa-fé, se casa com ou se torna sócio de alguém em quem não confia. A presidente perdeu por inteiro sua credibilidade. A confiança e a credibilidade são como taças de cristal: uma vez quebradas, não têm mais conserto. É um processo irreversível. Faz parte da entropia do universo. Um governo sério apoiado por expressiva maioria se faz em cima de acordos e compromissos. Acordos e compromissos, por sua vez, têm como base a confiança e a credibilidade. Sem o que não há possibilidade de entendimento. Por isso, com Dilma, ao que tudo indica, não tem mais negócio. A não ser em torno do que há de pior na política. Abstraindo, por enquanto, a possibilidade de o vice-presidente vir a ser, por alguma razão, impedido de assumir o comando do País, e concentrando a atenção no possível afastamento apenas da titular, competiria também perguntar se, realisticamente, nesse caso haveria condições políticas de tornar viável a tal ampla coalizão, sob a liderança do vice e do PMDB. Ninguém pode hoje afirmar como acabará o processo de impeachment. No entanto, remetendo ao dilema levantado pela perplexidade do ministro Barroso, tudo leva a crer que a diferença que pode distinguir um hipotético governo de Michel Temer de uma continuação do governo de Dilma é que, com ele, apesar dos pesares, e de alguns possíveis senões, parece viável a gestação de condições, pelo menos, minimamente suficientes de governabilidade. Tais condições poderiam ser criadas a partir de um nível de credibilidade instrumental para se tocar de forma satisfatória e economia e o País. O que, decididamente, não seria mais possível sob o comando de Dilma. Com ela, até onde se pode prever e imaginar, o Brasil não terá como resgatar a economia e as condições de governabilidade. Com Temer isso pode não ocorrer, mas há uma razoável probabilidade de superação ao menos dos problemas mais agudos e imediatos do País. É certo que, no caso do afastamento da presidente por impeachment, não se poderia contar, numa coalizão, com a participação do Partido dos Trabalhadores e de seus satélites mais à esquerda no espectro ideológico. Isso não em função de qualquer discriminação ou prevenção contra tais partidos, mas porque essas agremiações políticas, com toda a certeza, se recusariam peremptoriamente a participar de tal coalizão. Além do natural e compreensível ressentimento que se seguiria a esse hipotético desenlace, pelas mesmas razões que levaram o PT, em 1985, a negar adesão ao pacto social que forças democráticas planejaram quando do esgotamento do ciclo militar e a se recusar a assinar a Constituição de 1988. As diferenças entre o hipotético curso da administração Dilma e um igualmente hipotético governo Temer também podem ser inferidas pelo cotejo entre as prováveis amplitude e qualidade das coalizões que se formariam num e noutro caso. De todo modo, qualquer que seja o desenlace da situação, a cidadania deve ficar mais atenta do que nunca para prevenir novos descaminhos que tornem a realidade dos brasileiros ainda mais difícil. Porque, na vida, as coisas, por piores que estejam, podem sempre piorar ainda mais. Por fim, um pequeno, todavia importante, registro: para manutenção da normalidade institucional e da paz social é imperativo que os princípios democráticos, em qualquer situação, sejam sempre rigorosamente observados.

*MARCOS POGGI É ECONOMISTA E ESCRITOR

Opinião por MARCOS POGGI