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Por Redação
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Como mostram duas circulares recentes, o Banco Central (BC) vem tentando conter o crédito para moderar a demanda interna. A autoridade monetária atua apenas sobre os recursos livres dos bancos, ou seja, aqueles que as instituições financeiras podem emprestar a seus clientes, de acordo com critérios técnicos. Está fora de sua alçada tomar medidas para restringir o crédito direcionado, a taxas subsidiadas, especialmente para fomento. E este é justamente o que está aumentando mais, pesando inclusive sobre a taxa básica de juros, o que nem sempre é levado em consideração em análises sobre a condução da política monetária. Além disso, o crédito direcionado é alimentado por empréstimos adicionais do Tesouro ao BNDES, o que pressiona a dívida bruta do setor público.No fim do mês passado, o BC elevou em R$ 15 milhões, a partir de 2012, o valor do capital mínimo dos bancos para fazer face aos riscos de mercado. O objetivo pode não ter sido o de conter o crédito, de forma explícita, pelo menos a médio prazo. Como esclareceu o BC, a nova regra segue as recomendações do Comitê de Basileia. É significativo, porém, que dias antes tenha sido alterada a alíquota dos recolhimentos compulsórios sobre depósitos à vista dos bancos comerciais. O governo calcula que a medida, paralela à redução das aplicações obrigatórias dos depósitos à vista no setor rural, poderá retirar de circulação R$ 1,6 bilhão a partir do início deste mês, total que pode alcançar R$ 4,7 bilhões em 2014. É uma soma relativamente modesta, considerando-se o estoque total de empréstimos bancários, que, de acordo com dados do BC, era de R$ 1,5 trilhão no fim de maio. Mas é um claro sinal de que a autoridade monetária está atenta à expansão dos empréstimos com recursos livres. A participação do crédito no PIB no Brasil é inferior à de outros países, mas vem crescendo muito rapidamente. Ainda segundo o BC, as operações de empréstimo do setor financeiro se expandiram 2,1% em maio em relação ao mês anterior e 19% em 12 meses. A proporção do crédito em relação ao PIB, que era de 44,8% em abril, passou a 45,3% em maio, bem acima de 40%, nível que muitos economistas consideram prudente. Vale ressaltar que a fatia dos bancos públicos no total da carteira de crédito do sistema financeiro subiu de 41,5% em abril para 41,7% em maio, basicamente por causa de financiamentos habitacionais e de investimentos. Isso está diretamente relacionado ao aumento do crédito direcionado para atividades que o governo quer ajudar ou promover, comumente a taxas subsidiadas, que aumentou 34,3% em maio em relação ao mesmo mês de 2009. Tal evolução, segundo o BC, permanece condicionada pelo desempenho das operações do BNDES, que aumentaram 40,8% nos últimos 12 meses findos em maio. Em comparação, os empréstimos com recursos livres tiveram um crescimento de 12,5%. Essa situação tão desigual acarreta uma distorção. Em entrevista ao jornal Valor (5/7), o presidente do BC, Henrique Meirelles, disse que "é plausível se pensar, embora não haja ainda uma comprovação empírica - nós estamos trabalhando no assunto -, que isso possa demandar uma taxa Selic um pouco maior do que seria o caso". Cauteloso, Meirelles acrescentou que, se o governo entende que deve destinar, por exemplo, mais recursos para a atividade industrial ou para a agricultura, "compensa o que pode ser um maior custo da Selic para a sociedade. Essa não é uma decisão do Banco Central". Não se pode negar o importante papel que tiveram o BNDES e os bancos públicos, de modo geral, no período mais agudo de retração econômica, mas a expansão dos empréstimos direcionados, feitos muitas vezes sem a transparência que seria de desejar, já é motivo de preocupação sob o aspecto fiscal. A dívida bruta do setor público, da qual não são descontados os empréstimos do Tesouro ao BNDES, alcançou, em maio, R$ 1,991 trilhão, representando 60,1% do PIB. Segundo análises independentes, essa proporção pode atingir 63,7% do PIB, por causa da conjuntura eleitoral, o que não é bom para o futuro do País.