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Diplomacia da picuinha

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Por Redação
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A presidente Dilma Rousseff parece mesmo ter tomado como ofensa pessoal a soberana decisão do Judiciário da Indonésia de executar brasileiros condenados por tráfico de drogas. Sem conseguir entender seu papel como chefe de Estado nem o efeito de suas atitudes destrambelhadas para a imagem do Brasil no exterior, Dilma preferiu o caminho da picuinha para lidar com o governo indonésio. Somente isso explica o constrangimento público a que a presidente submeteu o novo embaixador da Indonésia, ao despachá-lo do Palácio do Planalto sem receber suas credenciais. Gestos como esse mostram que a diplomacia brasileira não atingiu o atual estado lamentável por acidente ou em razão de contingências econômicas, mas por ação deliberada de Dilma.

Na sexta-feira passada, a presidente da República deveria receber as credenciais do embaixador Toto Riyanto, entre outros embaixadores. Essa cerimônia oficializa o início do trabalho do representante diplomático no País. Não é, portanto, um ato qualquer, pois, enquanto o embaixador não entrega as credenciais, ele exerce suas funções em caráter provisório e não pode firmar acordos. Por essa razão, a entrega das credenciais é solene, manifestando a aceitação de boas relações entre os países.

Riyanto seria o primeiro embaixador a entregar as credenciais a Dilma naquele dia. Ele já estava na cerimônia quando foi informado de que a presidente não o receberia. Foi retirado pela entrada lateral do palácio, enquanto os demais embaixadores cumpriram a formalidade normalmente.

Riyanto poderia ter sido avisado com antecedência sobre a decisão de Dilma de não receber as credenciais. Essa providência não teria diminuído a descortesia da presidente, mas ao menos tiraria do episódio a sensação de molecagem, que não se coaduna com as tradições da diplomacia brasileira. A resposta da Indonésia foi à altura da ofensa: chamou de volta seu embaixador, entregou ao embaixador brasileiro em Jacarta uma nota de protesto e qualificou a atitude de Dilma como “hostil” e “inaceitável”.

Dilma está levando longe demais seu engajamento no caso dos dois brasileiros condenados à morte na Indonésia. Nunca é demais lembrar que ambos foram sentenciados porque eram traficantes de drogas. Um deles, Marcos Archer, foi executado no mês passado. Ele havia entrado no país, em 2003, com nada menos que 13 quilos de cocaína. Não é algo trivial - e as leis indonésias são claríssimas a respeito. Mesmo assim, logo depois que Archer foi fuzilado, Dilma, que pedira clemência, chamou o embaixador brasileiro em Jacarta para consultas - uma reação muito dura no mundo da diplomacia - e disse que a relação com a Indonésia estava “gravemente” afetada.

A presidente perdeu a noção de que seu papel nesse caso era o de apenas pedir clemência e respeitar a decisão soberana dos indonésios. O exagero se repete agora, com o caso de outro brasileiro que está no corredor da morte na Indonésia pelo mesmo crime, Rodrigo Gularte. Dilma mobilizou o Itamaraty para interferir no processo e adotou a patética decisão de não receber as credenciais do novo embaixador.

A presidente tentou se explicar: “Nós achamos importante que haja uma evolução na situação para que a gente tenha clareza em que condições estão as relações da Indonésia com o Brasil”. Traduzindo: se a Indonésia resolver cumprir suas leis e executar o outro brasileiro, há grande chance de que as relações entre os dois países caminhem para a ruptura.

Tudo indica que Dilma resolveu usar a Indonésia - um país distante, com participação pífia na balança comercial do Brasil - para exibir o que supõe ser a firmeza na defesa dos interesses brasileiros no exterior. Enquanto isso, e em meio ao brutal sucateamento do Itamaraty, assuntos mais urgentes que o destino de um traficante de drogas - como a violação sistemática de direitos humanos e a ruptura da normalidade democrática na Venezuela, que deveriam resultar em punição no âmbito do Mercosul, do qual o Brasil é o atual presidente - recebem de Dilma apenas seu mais profundo silêncio.