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Diplomacia impudica

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Por Redação
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O governo de Dilma Rousseff não está preocupado com a evidente deterioração da democracia na Venezuela. Faça o que fizer, o autocrata Nicolás Maduro sabe que pode contar com o apoio brasileiro. O que começa a tirar o sono da diplomacia lulopetista é a possibilidade de que o País possa ser preterido por uma Venezuela de feições mais antichavistas, como resultado da ascensão da oposição a partir das eleições legislativas de 6 de dezembro, nas quais os adversários de Maduro têm grande favoritismo – e só não vencerão se houver uma fraude colossal.

Ou seja, o Itamaraty, contaminado por uma década de impudência petista, agora lamenta, aqui e ali, a implosão das pontes com a oposição venezuelana, mas não porque finalmente tenha se dado conta de que precisava defender a democracia contra a truculência de Maduro, e sim porque teme “ficar para trás”, como noticiou a Folha de S.Paulo.

Se ainda faltassem motivos para mostrar que a abilolada política externa petista escolheu o lado errado da história, a recente denúncia feita por um promotor venezuelano, a respeito da lisura do julgamento de um dos principais líderes da oposição, comprova definitivamente que a Venezuela chavista não é democrática nem mesmo na fachada.

Em um vídeo divulgado na sexta-feira passada, o promotor Franklin Nieves informa que o governo de Maduro o pressionou a usar provas falsas para ajudar a condenar Leopoldo López, sob a acusação de ter instigado um protesto em 12 de fevereiro do ano passado. Houve dura repressão, deixando naquele dia um saldo de três mortos. Novas manifestações se seguiram e a violência recrudesceu – o número de mortos chegou a 34 no final de março.

López tornou-se o principal preso político da Venezuela, e seu julgamento ignorou completamente as normas básicas do direito. A sentença, de quase 14 anos de prisão, foi criticada por diversos países, por entidades de defesa dos direitos humanos e pelo Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. O Brasil, é claro, silenciou – o caso López não pareceu grave o bastante para tirar o governo petista de sua conhecida posição de subserviência ideológica em relação ao chavismo.

Foi em meio a essa escandalosa omissão brasileira que o promotor Nieves escancarou a ditadura de Maduro, cuja amplitude já teria sido objeto de dura condenação de Brasília caso o ditador em questão não fosse companheiro dos petistas. É bom lembrar que por muito menos – um processo sumário de impeachment contra o presidente Fernando Lugo – o Paraguai foi suspenso do Mercosul em 2012. Na ocasião, uma indignada Dilma Rousseff invocou a cláusula democrática do bloco – manobra que, não por coincidência, permitiu a entrada da Venezuela no Mercosul.

O promotor Nieves teve de fugir da Venezuela para fazer sua denúncia. Disse que o julgamento de López foi uma “farsa” e que os direitos do réu foram integralmente violados, tudo por pressão de Maduro. É evidente que, a esta altura, ninguém de bom senso tem qualquer dúvida a respeito do embuste que foi o processo contra López, pois sabe-se que o Judiciário deixou há muito tempo de ser independente na Venezuela, mas as contundentes palavras do promotor deveriam constranger qualquer um que ainda tente qualificar como “democrático” o regime chavista.

Por essa razão, a diplomacia brasileira tem a obrigação moral de ao menos manifestar algum desconforto com a cassação dos direitos básicos daqueles que têm coragem de se opor ao governo de Maduro. Tem também a obrigação de advertir o autocrata venezuelano, sem nenhuma hesitação, de que é preciso respeitar o real veredicto das urnas. Mas talvez seja esperar demais do governo petista, cuja tibieza – para não dizer cumplicidade – deixou Maduro à vontade para barrar os observadores independentes, para anunciar que vai usar suas milícias para “defender a paz, a independência da república e a revolução bolivariana” e para dizer que o governo tem de ganhar as eleições “seja como for”.