Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Dominando os novos desafios da vida moderna

Exclusivo para assinantes
Por Klaus Schwab
3 min de leitura

O advento da tecnologia mudou totalmente a nossa vida em seus aspectos mais básicos, mas uma coisa é inegável: a velocidade das mudanças tecnológicas será exponencial, com repercussões para todos. Imagine: mais da metade dos cientistas e engenheiros de todos os tempos está viva hoje. A China forma cerca de 6,5 milhões de graduandos todo ano, a metade engenheiros e cientistas. As fronteiras da ciência, da tecnologia e, em último caso, da vida serão expandidas não só pelo número de "inovadores", mas também pelo grau de interconectividade, acelerando a criação de conhecimento e gerando um ambiente mais empreendedor para inovação e mudança.E a dimensão dessa mudança é marcante. Além de guiar o que fazemos, a atual evolução tecnológica também molda quem somos. É claro que a internet ainda é, de muitas formas, uma ferramenta, mas também faz parte do nosso DNA. Isso já é efetivo para governos (pense no WikiLeaks), empresas e pessoas. De alguma forma, estamos "terceirizando" parte de nós mesmos - o que leva a perguntar: quem é o dono dessa parte mais íntima de nossa vida, nossos desejos ou contas de celular, capturando onde estamos e com quem nos encontramos? São as empresas de tecnologia, as operadoras de telefonia ou ainda somos nós?Essa nova dimensão de progresso tecnológico e mudança da sociedade está apenas começando. Outras ondas de evolução tecnológica em genética, tecnologia de células-tronco, nanotecnologia, neurociência, etc., devem abrir oportunidades, como também podem "alterar" quem somos. Por exemplo, um artigo recente sobre pesquisa cognitiva publicada no Journal of Neural Engineering mostra que cientistas conseguiram projetar um implante cerebral capaz de restaurar a função de memória e fortalecer a capacidade de lembrar informações em ratos - um primeiro passo muito importante demonstrando que a função cognitiva pode ser aumentada com próteses neurológicas e levantando questões morais e éticas muito importantes.A cooperação global só é possível quando compartilhamos valores. Depois da 2.ª Guerra Mundial e da criação da Organização das Nações Unidas (ONU), uma estrutura de valores compartilhados foi formalizada na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas a passagem do tempo mostrou a fragilidade desse consenso, notadamente com as crescentes preocupações étnicas, religiosas e outras. A nova dimensão de inovação, explorando ainda mais a essência da natureza humana, a relação entre razão moral e intuição moral e as bases de instituições modernas, deve intensificar conflitos e enfraquecer os valores compartilhados nessa nova realidade.O mundo de hoje e o de amanhã serão caracterizados não apenas pela velocidade e pela natureza dessas mudanças, mas também pela variedade de atores. Dez anos atrás o G-8 representava mais de 60% do poder econômico global. Hoje muito mais da metade do crescimento econômico global é produzida pelos países emergentes. Essa variedade de atores destaca não somente a expansão geográfica e a extensão do impacto de múltiplos atores, mas também a migração de poder de cima para baixo e do centro para a periferia - com quase 7 bilhões de pessoas que querem e têm a capacidade de ser ouvidas.As mudanças no poder geopolítico e geoeconômico e as mudanças sociais devem provocar alterações fundamentais em nosso estilo de vida. No futuro os valores dominantes do Ocidente serão cada vez mais obrigados a acomodar valores do Oriente (asiáticos), e vice-versa. Até 2025 quatro das cinco maiores economias mundiais não serão ocidentais e praticamente metade das empresas da Fortune 500 deve vir de países emergentes. Isso terá impacto em todos, em termos de novas marcas, novos estilos de vida e novas estruturas societárias. Mudanças que conseguimos imaginar, mas não vislumbrar como serão, já que crescemos inseridos numa realidade ditada seguindo padrões, na maioria das vezes, norte-americanos - a grande potência do passado.Todas essas tendências aceleradas - velocidade, multiplicidade e interconectividade - estão criando um mundo totalmente novo, onde o maior desafio será dominar as complexidades. É claro que quanto maior a complexidade do sistema, maior o risco de falhas sistêmicas, já que são muitos os atores e muitas as referências.Analisando nossos sistemas de governança, em especial a governança global, são aparentes os sintomas de estresse dos líderes que enfrentam dificuldades para lidar com as complexidades do mundo atual. A crise hipotecária e a do euro são exemplos claros das consequências involuntárias de ações realizadas em terreno desconhecido. Hoje o mundo, o G-20 incluído, está apagando fogueiras, em vez de prevenir e mitigar problemas. A preparação estratégica para o futuro fica relegada a um segundo plano bastante profundo.Mas existe um divisor de águas no qual a velocidade, a interconectividade e a complexidade são tão prevalentes que o sistema inteiro entra em colapso, mesmo quando determinados elementos na superfície do sistema estão funcionando. Possivelmente não teremos a presciência e o espírito colaborativo para moldar o nosso futuro global, mas devemos ter um instinto de sobrevivência de erradicar nossa dependência em gestão de riscos emergentes para desenvolver mais colaboração para fortalecer a nossa resistência ao risco.Isso requer um esforço de múltiplos agentes, como governos, empresas, ciência e sociedade civil, para criar um sistema global mais apropriado e baseado em regras. Na melhor das hipóteses, isso deve garantir que a complexidade do sistema não seja explorada para ganho pessoal e em prejuízo da sociedade global.FUNDADOR E PRESIDENTE EXECUTIVO DO FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL